Sumário: 1. Introdução. 2. O sujeito ativo como elemento objetivo do tipo penal. 3. A livre iniciativa e a repressão a carteis no ordenamento jurídico. 4. A Lei nº 8.137/1990 e a tutela penal da ordem econômica. 5. O crime de formação de cartel. 6. O elemento normativo “abusar do poder econômico” e a pessoa jurídica como sujeito ativo do crime de formação de cartel. Considerações finais. Referências.
1. Introdução
O problema a ser enfrentado consiste em analisar se o crime de formação de cartel admite qualquer pessoa como seu sujeito ativo ou se exige alguma condição especial do sujeito, por meio do exame dos elementos normativos que integram o seu tipo penal. Assim, busca-se responder a seguinte indagação: (i) quem é o autor do crime de formação de cartel? O tema central do presente estudo, portanto, consiste em analisar os elementos que compõem o delito de formação de cartel, no intuito de extrair as características referentes ao sujeito ativo.
Parte-se da hipótese de que a pessoa jurídica é a autora do crime de formação de cartel, uma vez que os elementos normativos do tipo penal em questão exigem uma qualidade especial do sujeito ativo, que deve deter poder econômico, bem como deve ter a capacidade de firmar ajustes com outras empresas. Afasta-se, portanto, a ideia de que o crime possa ser praticado por qualquer pessoa.
Quanto à metodologia de pesquisa, a abordagem do problema é qualitativa. Com relação ao método de abordagem, classifica-se como hipotético-dedutivo. No que tange aos objetivos, a pesquisa é de natureza experimental. As técnicas de coleta consistem em pesquisa documental, por meio de leis, bem como pesquisa bibliográfica de livros e artigos que versam sobre direito penal econômico, direito constitucional e direito concorrencial. No decorrer do presente estudo será feita uma análise dogmática do sujeito ativo no direito penal, a fim de constatar os principais pontos relativos à autoria e participação. Posteriormente, será feito um exame da legislação concorrencial brasileira, bem como do tratamento constitucional dado a matéria.
O trabalho seguirá com o estudo da Lei nº 8.137/1990, visando uma melhor compreensão dos objetivos da lei e do bem jurídico por ela tutelado, qual seja, a ordem econômica. O enfoque será na parte da lei destinada a proteção da livre concorrência. Por fim, a pesquisa prosseguirá com a análise minuciosa do tipo penal de formação de cartel, por meio de sua classificação doutrinária. Após a compreensão dos elementos objetivos e subjetivos que compõem o tipo, passa-se a verificar quais desses elementos fazem referência ao sujeito ativo, de modo a evidenciar sua qualidade especial como elemento constitutivo do tipo penal.
Assim, será comprovada a hipótese de que se trata de crime próprio e, por conseguinte, não aceita qualquer indivíduo como autor do delito, mas, tão somente, a pessoa jurídica, uma vez que esta preenche as condições especiais exigidas pelos elementos normativos que integram o crime de formação de cartel.
2. O sujeito ativo como elemento objetivo do tipo penal
Para os fins almejados por este trabalho, é relevante tecer alguns comentários iniciais acerca dos aspectos dogmáticos relacionados ao sujeito ativo. Na lição de Sales (1993, p. 21-22), o sujeito ativo é aquele que pratica o fato descrito na norma penal incriminadora e, portanto, integra a estrutura objetiva do tipo penal.
Assim como o bem jurídico e a conduta descrita fazem parte do tipo[1], o sujeito ativo também pode ser considerado um dos elementos que o integram. Apesar de não ser mencionado explicitamente pelo legislador, o sujeito ativo sempre estará associado ao fato delituoso, como é o caso do crime de homicídio, que não faz qualquer menção ao sujeito ativo, se referindo diretamente a conduta, diante da necessidade de que a ação descrita seja realizada por alguém. (SALES, 1993, p. 56).
Todavia, em alguns casos, o legislador opta por identificar o sujeito ativo do delito, seja pela sua menção direta, como é o caso do artigo 312[2] do Código Penal, seja por meio de outros elementos contidos no tipo penal, como é o caso do crime de abandono intelectual, previsto no artigo 246 do referido diploma legal, cuja menção ao sujeito passivo permite identificar o sujeito ativo do crime, no caso, os genitores da criança (SALES, 1993, p. 57). De forma semelhante ao que acontece no crime de peculato, o artigo 355 do Código Penal delimita o sujeito ativo ao advogado ou procurador, ao descrever a conduta de “trair, na qualidade de advogado ou procurador, o dever profissional, prejudicando interesse cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado.”
Há, ainda, tipos penais nos quais o legislador prevê uma qualidade ou condição que se refere ao sujeito ativo do delito, exigindo sua presença para satisfação do tipo, pois tal qualidade ou condição passar a integrar os elementos do tipo objetivo. No crime de infanticídio, ao se utilizar da expressão “estado puerperal” o legislador define que o sujeito ativo do crime será a parturiente que mata o próprio filho durante um período de intensas alterações psíquicas e físicas provocadas pela expulsão da criança do ventre materno.
Roxin e Greco (2024, p. 553-554) classificam esses tipos penais como delitos especiais[3], destacando que esse tipo de crime só admite como autor aquele que apresenta determinada propriedade, o que permite falar em qualificação de autoria. Eles concluem que a relevância prática dos delitos especiais reside justamente na delimitação clara entre autoria e participação, especialmente nos casos que envolvem concurso de pessoas. No mesmo sentido, Galvão (2020, p. 271) explica que, nos crimes próprios, o tipo prevê determinada qualidade ou condição especial do sujeito ativo, restringindo a possibilidade de que outras pessoas figurem como sujeitos do crime.
Parece possível afirmar, portanto, que o sujeito ativo é gênero do qual são espécies a autoria e a participação. Estas são concebidas como formas de atuação do sujeito ativo e, para fins de distinção, adota-se a teoria do domínio do fato proposta por Roxin. Conforme explicação de Greco et al (2014, p. 22), a teoria proposta por Roxin tem como objetivo solucionar um problema concreto, qual seja, estabelecer a distinção entre autor e partícipe, logo, não há uma preocupação em saber se o sujeito será ou não punido, mas sim se ele será punido como autor ou partícipe. Assim, Roxin (2014, p. 68) estabelece que o autor é a figura central do fato típico, enquanto o partícipe é uma figura marginal, secundária, que contribui para o fato do autor por meio da instigação ou prestação de auxílio. O autor, portanto, é aquele que domina o fato típico, exercendo o controle sobre o curso de eventos que levam à realização do crime. O partícipe, por sua vez, não determina de maneira decisiva ou fundamental a execução do delito. (ROXIN, 2014, p. 69).
Roxin identifica três formas de manifestação do domínio do fato: autoria imediata, autoria mediata e o domínio funcional do fato. A autoria imediata se manifesta nos casos em que o próprio sujeito realiza o comportamento descrito pelo tipo penal. Fala-se, assim, em domínio da ação, de modo que a autoria é atribuída aquele que comete por si mesmo o fato. (ROXIN, 2014, p. 80-81).
A autoria mediata, por sua vez, decorre do domínio da vontade de uma outra pessoa, que funciona como um instrumento para realização do fato típico. Assim, o domínio do acontecimento é exercido de forma mediata, ou seja, é realizada pelo sujeito que está por trás. (ROXIN, 2014, p. 84). Segundo Roxin (2014, p. 85), a autoria mediata pode se dar de três formas, quais sejam, o domínio da vontade por meio da coação, o domínio da vontade pelo erro e o domínio da vontade por meio de aparatos organizados de poder. No primeiro caso, o autor exerce o domínio do fato por meio de uma intervenção forçada na vontade de outra pessoa, utilizando-se desta como instrumento para a prática de um crime. Roxin (2014, p. 85) cita como exemplo o caso em que A obriga B a cometer um crime mediante grave ameaça. Apesar de B ser o executor imediato do tipo penal, A será considerado o autor mediato, uma vez que exerce um controle sobre a vontade de B, que poderá ser exculpado em razão da coação sofrida. De outro lado, o domínio da vontade pelo erro se difere da coação, uma vez que o controle sobre o executor imediato se dá por meio do maior conhecimento que o autor mediato possui acerca da situação. Dessa forma, o autor mediato compreende ou sabe algo que o executor imediato desconhecer ou não quer reconhecer, de modo que, em razão desse conhecimento superior, ele consegue usar o executor como um mero instrumento causal para realização do fato típico. (ROXIN, 2014, p. 92). Por fim, o domínio da vontade por meio de aparatos organizados[4] de poder se configura nos casos em que existe uma estrutura organizada que assegura a execução das ordens emitidas pelo superior hierárquico (autor mediato), independentemente do uso de força ou erro. O autor mediato não precisa conhecer o executor direto, pois, se alguém falhar, outro dentro do realizará o fato típico, diante da fungibilidade dos executores imediatos nesse tipo de estrutura (ROXIN, 2014, p. 111). Esta hipótese de domínio da vontade é exclusiva de ditaduras e organizações criminosas que, segundo Roxin, são estruturas dissociada da ordem jurídica (ROXIN, 2014, p. 121).
O domínio funcional do fato é aplicado aos casos envolvendo coautoria. Segundo Roxin (2014, p. 146), a coautoria consiste na realização do tipo mediante a execução com divisão de tarefas. Assim, o domínio do fato do coautor deriva de sua função na execução, uma vez que ele desempenha uma tarefa essencial para a realização do plano criminoso, o que lhe confere o controle sobre o conjunto do acontecimento por meio de sua participação no fato. O autor cita como exemplo o caso em que dois assaltantes realizam um roubo a um banco, de modo que um fica responsável por render os funcionários do banco enquanto o outro esvazia o cofre. Nesta hipótese, cada um dos coautores exerce um domínio sobre o conjunto do acontecimento por meio de sua contribuição para o fato, de tal forma que, se um deles deixar de realizar sua função, a empreitada criminosa restará frustrada.
Em que pese a redação do art. 29 do Código Penal brasileiro, não parece haver óbices para aplicação da teoria do domínio do fato no ordenamento jurídico brasileiro. Greco et al (2014, p. 80) explicam que a partir da interpretação de alguns dispositivos contidos no CPB (arts. 31, 121, 122, 129), bem como com base no princípio da legalidade, é possível adotar a referida teoria para estabelecer um conceito restritivo de autor, sem a necessidade de alteração legislativa para tanto.
Vale ressaltar que, “nem sempre a qualidade do sujeito ativo vem inserida, de forma explicita, nos tipos penais, sendo a mesma, não raras vezes, extraída pelo intérprete da natureza mesma do fato descrito ou de elementos outros que integram o tipo penal.” (SALES, 1993, p. 56-57). Sales cita como exemplo o art. 246 do Código Penal, uma vez que a qualidade especial do sujeito ativo pode ser extraída a partir do sujeito passivo mencionado na redação do dispositivo legal supramencionado.
Conclui-se, portanto, que o sujeito ativo constitui elemento objetivo do tipo penal, podendo ser revestido de qualidades especiais previstas de forma expressa na redação do dispositivo legal, ou de maneira implícita a partir de outros elementos integrantes do tipo penal, como é o caso do delito a ser analisado no presente artigo.
3. A livre iniciativa e a repressão a carteis no ordenamento jurídico
Antes de proceder a uma análise mais profunda do tipo penal previsto no art. 4º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, cumpre esclarecer alguns pontos do ordenamento jurídico pátrio no tocante a legislação concorrencial, uma vez que o delito objeto deste artigo constitui crime contra a ordem econômica, tendo como bem jurídico tutelado a livre concorrência. Dessa forma, mostra-se necessária uma breve introdução acerca do direito concorrencial no ordenamento jurídico brasileiro.
É importante registrar, inicialmente, que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a livre iniciativa, conforme disposto no art. 1º, inciso IV[5], da Constituição da República. Ademais, a livre iniciativa também é um dos princípios que regem a ordem econômica brasileira, conforme se observa no art. 170[6], caput, da Constituição da República.
Cretella Junior (1993, p. 395) explica que a livre iniciativa consiste na possibilidade de agir livremente, sem interferências externas. Segundo o referido autor, a ação social do Estado deve ter caráter supletivo, evitando interferir diretamente na atividade particular, vedando-se o favorecimento de indivíduos ou grupos específicos, devendo sempre direcionar-se à coletividade como um todo e respeitar os direitos dos cidadãos.
A livre iniciativa, contudo, não se confunde com a livre concorrência, uma vez que esta não é um fim em si, mas um instrumento para viabilizar a livre iniciativa, garantindo, dessa forma, a sua essência. (FRANCESCHINI, BAGNOLI, 2018, p. 47). Corroborando com tal entendimento, Maia (2008, p. 84) explica que a livre concorrência exerce uma dupla função, pois atua simultaneamente como consequência e limite ao fundamento da livre iniciativa, na medida em que tem como escopo assegurar os melhores interesses dos consumidores.
Sendo assim, a livre concorrência pode ser entendida como “a liberdade para competir no mercado, consistindo a concorrência na existência de diversos agentes que, num mesmo tempo e espaço, buscam um mesmo ou similar objetivo.” (REALE JUNIOR, 1997, p. 73). É, portanto, um dos princípios da ordem econômica que visa assegurar a livre iniciativa no âmbito da República Federativa do Brasil.
Segundo Bagnoli (2017, p. 28), a preocupação em preservar a concorrência em qualquer setor da economia decorre da necessidade de promover uma maior diversidade de produtos e a melhoria de sua qualidade, além de exercer um impacto direto na redução dos preços. A concorrência, portanto, representa a base do equilíbrio entre oferta e demanda.
A livre iniciativa como um dos fundamentos da república, bem como a previsão da livre concorrência como princípio da ordem econômica revelam que a Constituição da República de 1988 fez uma opção liberal no que tange ao tratamento da economia em matéria constitucional. Franceschini e Bagnoli (2019, p. 65) apontam que o legislador constituinte pretendeu privilegiar a livre iniciativa nos mercados e a propriedade privada. Para tanto, o texto constitucional reconhece a livre concorrência como um princípio essencial, pois é por meio dela que se busca alcançar a justiça social. Os autores sustentam que o Estado deve adotar uma postura de não intervenção direta nos mercados como regra geral, deixando a gestão e a operação econômica nas mãos da iniciativa privada, de modo que o Estado só estará autorizado a intervir para reprimir abusos que comprometam a concorrência saudável, como práticas que distorçam ou prejudiquem a competição entre agentes econômicos.
A partir dos princípios e fundamentos da Constituição da República, verifica-se que a intervenção[7] estatal na economia se dá de forma pontual, sendo a livre concorrência a regra geral na ordem econômica. “Repudia-se, assim, o intervencionismo e dirigismo estatais, os quais constituem afronta aos princípios da livre concorrência e livre iniciativa e desvirtuam a ordem econômica; sua prática é exceção e, portanto, deve ser robustamente justificável.” (FRANCESCHINI, BAGNOLI, 2018, p. 65)
No âmbito das hipóteses em que o estado poderá intervir na economia, destaca-se aquela prevista no artigo 174, § 4º, da Constituição da República, que determina que “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.” Segundo José Afonso da Silva (2019, p. 809), o referido dispositivo constitucional pretende “(...) tutelar o sistema de mercado e, especialmente, proteger a livre concorrência, contra a tendência açambarcadora da concentração capitalista.” A Constituição da República, portanto, reconhece a legitimidade do poder econômico, todavia, repudia o seu abuso nos casos em que venha a ser utilizado para inviabilizar a livre iniciativa por parte de outros agentes atuantes no mercado.
No intuito de dar eficácia o referido comando constitucional, o legislador ordinário elaborou a Lei nº 8.884/1994, que regulava “a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências.” Vale dizer que, a lei supramencionada “(...) era claramente influenciada pelos conceitos do “antitruste” americano.” (FRANCESCHINI, BAGNOLI, 2018, p. 43).
Posteriormente, a Lei nº 8.884/1994 foi revogada pela atual Lei nº 12.529/2011, alterando “(...) radicalmente a forma de execução da legislação concorrencial no Brasil.” (FRANCESCHINI, BAGNOLI, 2018, p. 43). A nova lei passou a prever as infrações contra a ordem econômica em seu artigo 36, contudo, não se preocupou em definir o que seria monopólio, tampouco estipulou o conceito de cartel. As sanções estão previstas no artigo 37 da Lei nº 12.529/2011, sendo de competência do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE o julgamento e a aplicação de sanções as empresas e indivíduos que venham a incorrer nas práticas descritas no artigo 36 do referido diploma legal.
Inobstante a natureza sancionadora da Lei nº 12.529/2011 e sua importância para complementar eventuais conceitos empregados na legislação penal, verifica-se que a tutela penal da ordem econômica e da livre concorrência, bem como a aplicação de penas privativas de liberdade ficaram por conta da Lei nº 8.137/1990, que será analisada no tópico a seguir.
4. A Lei nº 8.137/1990 e a tutela penal da ordem econômica
Como dito anteriormente, a Lei nº 12.529/2011, apesar de seu caráter sancionatório, ficou por conta de disciplinar a livre concorrência na esfera administrativa, por meio de procedimentos e sanções administrativas desenvolvidas pelo CADE. De outro lado, a persecução penal relativa aos crimes contra a ordem econômica e a livre concorrência foram dispostas no âmbito da Lei nº 8.137/1990.
A Lei nº 8.137/1990 tem como escopo os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. Houve, portanto, a tipificação de diversas condutas violadoras de bens jurídicos associados a ordem econômica de uma forma geral, porém, para os fins almejado por este trabalho, o foco será na parte da lei relativa à ordem econômica, uma vez que conduta prevista no artigo 4º, inciso I, “constitui crime contra a ordem econômica.”
Alguns conceitos relativos à ordem econômica já foram mencionados no tópico anterior, todavia, cumpre trazer uma definição mais precisa do que seja a ordem econômica, diante da amplitude conceitual apresentada por esta expressão. Segundo Luiz Regis Prado (2019, p. 5), o conceito de ordem econômica pode ser expresso de duas formas, quais sejam, estrita e ampla. A ordem econômica em sentido estrito pode ser compreendida como a regulação jurídica da intervenção do Estado na economia, enquanto em sentindo amplo, por ser mais abarcante, pode ser conceituada como a “regulação jurídica das atividades de produção, distribuição e consumo de bens e serviços (2019, p. 5). Sob o ponto de vista da Constituição da República, Eros Grau (2010, p. 58) explica que se trata de um conjunto de normas responsável por definir, institucionalmente, um determinado modo de produção econômica.
A partir do tratamento constitucional e infraconstitucional dado à ordem econômica, verifica-se que esta corresponde a um bem jurídico supraindividual, “(...) caracterizando-se pela titularidade de massa, universal, não pessoal, coletiva, difusa.” (ZINI, 2012, p. 178). “Nestes bens jurídicos a proteção penal transcende interesses de cariz puramente individual e corresponde aos interesses da coletividade, considerada com um todo.” (MAIA, 2008, p. 41)
A ordem econômica como bem jurídico-penal resulta da expansão do direito penal a partir da segunda metade do século XX, impulsionada pelo avanço industrial e tecnológico, que trouxe novos riscos e exigiu um tratamento estatal eficiente.
Sendo assim, o estado lança mão do direito penal como meio de tutelar um bem jurídico que não pode ser individualizado em uma pessoa, mas, em razão de sua complexidade e relevância para a sociedade, acaba sendo considerado de forma universal. Certamente, esta expansão do direito penal deve ser vista com um olhar crítico, uma vez que, no âmbito da criminalidade econômica, é comum que o legislador se utilize de tipos penais abertos, com conteúdo vago, muitas vezes antecipando a consumação do delito antes da ocorrência de qualquer resultado lesivo, “(...) sob a alegação pragmática de que dever-se-ia prevenir riscos e em prol de uma esperada segurança.” (SILVEIRA, 2018, p. 40). Tal fato recebe amplas críticas por parte da doutrina[8], pois possibilita a ampliação arbitrária do poder punitivo, que “(...) recorre à minimização do bem jurídico, a perigos abstratos e remotos, a interpretações extensivas, analogias e ambiguidades etc.” (Zaffaroni et al, 2010, p. 126). Mostra-se adequado, portanto, que os tipos penais, principalmente aqueles com conteúdo mais vago, sejam interpretados de forma restritiva, a fim de reduzir o alcance de seu conteúdo proibitivo.
Como dito anteriormente, a Lei nº 8.137/90 tutela a ordem econômica de uma forma geral, contudo, possuí tipos penais voltados especificamente à proteção da ordem tributária, das relações de consumo e, por fim, da livre concorrência. No tocante a esta última, a referida lei destinou os artigos 4º, 5º e 6º[9] para tipificar condutas tendentes a prejudicar a livre concorrência de forma mais intensa, ao ponto de justificar a intervenção punitiva estatal na esfera penal.
Dentre as diversas formas de conduta que podem ser praticadas em desfavor da ordem econômica, especificamente contra a livre concorrência, merece destaque aquela relacionada ao abuso do poder econômico por parte dos agentes atuantes em um determinado mercado. A tipificação de tal conduta no artigo 4º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 foi a forma de o legislador ordinário cumprir o comando constitucional previsto no artigo 173, § 4º, da Constituição da República de 1988.
Bruna (2001, p. 144) ressalta que não deve ser visto como algo anormal ou desviante dentro da ordem econômica, mas como um dado estrutural dela. Esse poder é reconhecido e legitimado pelo sistema jurídico porque desempenha uma função social importante, conforme definida pelas normas que regem a economia. Logo, a mera desigualdade existente entre os agentes econômicos concorrentes em um mesmo mercado, por si só, não é capaz de configurar o delito em questão, pois é da natureza do mercado que determinados agentes se saiam melhor do que os outros.
O que vai ensejar a repressão estatal é o exercício abusivo do poder econômico, mediante ajuste ou acordo entre empresas, que vise eliminar a concorrência ou dificultar a entrada de novos agentes econômicos no mercado disputado. Nesta hipótese, haverá um desempenho anormal do poder econômico por parte de determinado agente, ensejando, assim, a atuação estatal para reprimir tais condutas violadoras da livre concorrência e, consequentemente, da livre iniciativa.
Nusdeo (2004, p. 150) explica que as normas constitucionais e legislativas visam a limitar ou reduzir o domínio exercido por diversas formas de concentração econômica sobre os mercados. Além disso, buscam proteger a concorrência, prevenindo práticas comerciais abusivas que possam distorcer os mecanismos de mercado e comprometer sua função de regular a economia.
Feitas estas considerações acerca da legislação pertinente a tutela da ordem econômica e livre concorrência, passa-se a analisar, no próximo tópico, o delito previsto no artigo 4º, inciso I, da Lei nº 8.137/90, a fim de testar a hipótese de que os elementos do referido tipo penal exigem uma qualidade especial por parte do sujeito ativo que somente é satisfeita pela pessoa jurídica.
5. O crime de formação de cartel
Neste trabalho, o crime designado pelo nome[10] de “formação de cartel” é aquele previsto no artigo 4º, inciso I, da Lei nº 8.137/1990, cuja redação pode ser observada abaixo:
Art. 4° Constitui crime contra a ordem econômica:
I - abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas;
(...).
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa.
Uma breve leitura do dispositivo legal acima, permite concluir que o tipo penal de formação de cartel é composto por diversos elementos normativos. Segundo Horta (2017, p. 316), os elementos normativos do tipo são qualidades determinantes da conduta proibida, ou do seu conteúdo de proibição, de tal forma que só podem ser compreendidos a partir do pressuposto lógico de uma norma, seja ela jurídica ou não. Logo, é necessário recorrer a juízos de valor contidos no próprio ordenamento jurídico ou em outros ramos do conhecimento para adequada compreensão do conteúdo da norma, uma vez que certos elementos do tipo penal não podem ser apreendidos por meio da linguagem comum.
Segundo Maia (2008, p. 37), o termo cartel pode ser conceituado como o acordo estabelecido entre empresas concorrentes, com o objetivo de reduzir ou eliminar a concorrência entre elas. Este arranjo entre empresas pode ocorrer por meio da divisão do mercado, da fixação conjunta de preços, da repartição de clientelas ou da restrição da produção. Destaca-se, ainda, na doutrina, o conceito de cartel elaborado por Silva (2003, p. 129), ao defini-lo como “o livre convênio entre empresas da mesma categoria econômica e independentes entre si, que objetivam uma finalidade monopolística, pelo domínio do mercado, eliminando a mútua concorrência, derivada da luta pela colocação de produtos similares.”
Trata-se, portanto, de crime cujo bem jurídico tutelado é a livre concorrência e a livre iniciativa, que são pilares da ordem econômica. (PRADO, 2019, p. 13). Conforme dito anteriormente, a livre iniciativa é a possibilidade de agir da forma que se entender melhor, sem influências externas, enquanto a livre concorrência é uma forma de assegurar a livre iniciativa, ao permitir que os agentes econômicos ingressem e compitam livremente no mercado, sem intervenções externas por parte do estado, que visem favorecer um determinado agente econômico. Maia (2008, p. 143) explica que a tutela do bem jurídico em questão visa a assegurar uma ordem econômica na qual o mercado é pautado sob à égide da livre concorrência. Assegurar a competitividade do mercado, portanto, é essencial para o funcionamento adequado da economia, uma vez que possibilita o surgimento de novos agentes econômicos e, consequentemente, há um maior estímulo para que os agentes atuantes em determinado mercado aprimorem a qualidade de sua atividade desempenhada, o que gera benefícios para os consumidores, diante do aumento de ofertantes de um determinado bem ou serviço.
A conduta descrita no inciso I afeta o funcionamento adequado da economia de um determinado mercado, que pode ser compreendido como “o ponto abstrato de convergência entre compradores e vendedores e sua amplitude pode variar geograficamente em virtude das condições retromencionadas.” (BASTOS, 2003, p. 235). Portanto, é em um mercado delimitado e específico em que são praticadas as condutas descritas no inciso I do artigo 4º, pois, segundo Prado (2019, p. 17), o domínio de mercado não abrange toda a atividade econômica, mas se refere a setores específicos, cujas delimitações devem ser definidas para caracterizar o tipo penal. Assim, é necessário traçar os contornos geográficos e materiais do mercado para saber se há ou não o controle de determinado segmento.
O abuso de poder mencionado no inciso I é a ação exigida para caracterização do tipo penal de formação de cartel, podendo ser compreendido como o uso excessivo do poder ou de um direito por parte do sujeito que o detém. Remete, portanto, à ideia de mau uso do poder econômico, que é desvirtuado, aplicado de forma ardilosa, em detrimento de outrem. (PRADO, 2019, p. 15).
Martinez (2013, p. 184) aponta que o inciso I possui uma redação ambígua, permitindo duas interpretações. A primeira interpretação sugere que é proibido abusar do poder econômico ao dominar o mercado ou eliminar a concorrência, independentemente da existência de um ajuste ou acordo entre empresas. Por sua vez, a segunda interpretação estabelece que o abuso do poder econômico só será típico quando for fruto de ajustes ou acordos entre empresas. Segundo a autora, a primeira interpretação criminaliza qualquer forma de abuso do poder de mercado, como práticas de preço predatório ou discriminação de preços, enquanto a segunda hipótese faz com que o delito incida apenas nos casos em que o abuso for perpetrado por meio de acordo entre empresas. Martinez (2013, p. 185), de maneira acertada, entende que a segunda interpretação é a mais correta.
Não é possível conceber o tipo penal previsto no art. 4º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 sem que os comportamentos descritos sejam alcançados por meio de um ajuste ou acordo entre empresas. Trata-se de elemento essencial do tipo sem o qual a conduta se torna atípica, sob a ótica do direito penal.
Para configuração do tipo penal em análise, é necessário que o abuso do poder econômico provoque ao menos uma das duas situações descritas em sua redação, quais sejam, “a dominação do mercado (decorrente de ações ou omissões aptas a dominá-lo) e/ou a eliminação total ou parcial, da concorrência (decorrente de condutas hábeis a eliminá-la).” (MAIA, 2008, p. 146). Tal fato evidencia que o tipo em questão é um crime material, pois exige a ocorrência de um resultado para consumação do delito, lembrando que tais resultados devem ocorrer em razão de ajuste ou acordo entre empresas, por se tratar de pressuposto lógico do crime de formação de cartel.
Maia (2008, p. 165) concebe a dominação de mercado como a concentração de poderes suficientes para interferir, manipular ou controlar, de forma direta ou indireta, os mecanismos de formação de preços de bens ou serviços, tanto pela oferta quanto pela demanda. Segundo o autor, essa dominação se dá por meio da aquisição de capacidade para influenciar, seja no contexto da concorrência atual ou de iniciativas potenciais, as atividades relacionadas à produção, circulação e consumo desses bens ou serviços no mercado.
Diante do conteúdo aberto da expressão “dominando o mercado”, é válido recorrer ao conceito de posição dominante previsto no artigo 36, § 2º, da Lei nº 12.529/2011, a fim de auxiliar na interpretação do referido elemento contido no tipo penal em questão:
§ 2º Presume-se posição dominante sempre que uma empresa ou grupo de empresas for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado ou quando controlar 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante, podendo este percentual ser alterado pelo Cade para setores específicos da economia.
Verifica-se, portanto, que a posição dominante de uma empresa pode ser presumida sempre que ela for capaz de alterar unilateral ou coordenadamente as condições de mercado, ou quando controlar 20% ou mais do mercado relevante. Entretanto, Fidelis (2015, p. 72) ressalta que a lei brasileira não considera a posição dominante, em si, ilegal, mas tão somente o seu abuso. Dessa forma, o fato de um determinado agente econômico, nos termos da lei, possuir uma posição dominante no mercado, por si só, não é suficiente para caracterizar uma infração contra a ordem econômica, tampouco o delito do artigo 4º, inciso I. Para que o tipo penal em questão seja caracterizado, é necessário que a posição dominante tenha sido alcançada por meio do abuso do poder econômico oriundo de um ajuste ou acordo entre empresas. Constata-se que o conceito legal de posição dominante pode ser utilizado para verificar o resultado naturalístico previsto pelo crime de formação de cartel.
No que tange aos monopólios, que consistem no “controle de preços e a exclusão da concorrência” (FRANCESCHINI, BAGNOLI, 2018, p. 47), “as cortes americanas tendem a presumir poder de monopólio na presença de participação de mercado em torno de ao menos 70% e 80%, conjugada com a análise das barreiras à entrada e demais condições do mercado.” (FIDELIS, 2015, p. 69). Com relação ao entendimento do que seja monopólio em terras brasileiras, Franceschini e Bagnoli (2018, p. 38) apontam que o Cade já tenha considerado como suficiente para sua configuração a existência de um controle de 75 a 85% do mercado.
Estas seriam as principais formas de realizar a dominação do mercado para fins de consumação do delito de formação de cartel, que pode se configurar, também, mediante a eliminação total ou parcial da concorrência de um mercado específico. “Eliminar significa suprimir, acabar, afastar toda ou parte da concorrência.” (PRADO, 2019, p. 17). A concorrência, que é o objeto da eliminação, pode ser compreendida como “a ação desenvolvida entre comerciantes e produtores para disputar a clientela, um mercado ou a venda de certa mercadoria ao público consumidor.” (SANDRONI, 2001, p. 118).
É a concorrência que possibilita averiguar quem oferece as melhores condições de oferta em um determinado mercado, uma vez que permite a formação perfeita dos preços de mercado a partir da correção entre oferta e procura, sem interferência isolada de compradores ou vendedores. (SANDRONI, 2001, p. 119). A eliminação da concorrência, portanto, provoca prejuízos a economia local, diante da ausência de opções para os consumidores, que se veem forçados a adquirir bens ou serviços de um único agente econômico, dotado de poder suficiente para ditar, isoladamente, o preço e a oferta dos bens ou serviços. Além disso, impede o exercício da livre iniciativa por parte de outros agentes econômicos, diante das condições inviáveis de adentrar naquele mercado dominado.
Como já foi mencionado alhures, o tipo em questão exige que a conduta tipificada seja realizada mediante ajuste ou acordo de empresas, o que revela tratar-se de um delito plurissubjetivo, diante da exigência de uma pluralidade de sujeitos para realização do fato previsto em lei como crime. (SALES, 1996, p. 19). Logo, é necessário que duas ou mais empresas realizem ajuste ou acordo, no intuito de dominar o mercado ou eliminar, total ou parcialmente, a concorrência de determinado mercado.
Empresa consiste em uma “(...) organização dos fatores de produção predisposta ao exercício da atividade econômica de produção ou de circulação de bens ou serviços (...).” (GONÇALVES NETO, 2021, p. 69), cujo objetivo é o lucro. Maia (2008, p. 160) leciona que o ajuste “remete à efetivação – por escrito ou verbal – entre duas ou mais empresas de um concertamento prévio das suas posições, atribuições e/ou dos seus objetivos, sejam estes distintos ou não, para viabilizar uma futura atuação conjunta no seu interesse comum, em dado setor do mercado.” No tocante ao acordo, Maia (2008, p. 161) o define como instrumento para harmonizar interesses que, em determinado mercado, já se apresentavam semelhantes, distintos ou até mesmo conflitantes. Assim, após a sua formalização, seja de forma tácita ou em decorrência das condições ajustadas entre empresas concorrentes, esses interesses passam a se alinhar em objetivos comuns, compartilhados ou fortalecidos.
Lembrando que, o ajuste ou acordo entre empresas, por si só, não é suficiente para caracterizar o delito em questão, é necessário, ainda, que a combinação realizada entre os agentes seja direcionada pelo fim de abusar do poder econômico para dominar ou eliminar a concorrência de um determinado mercado. Se o ajuste ou acordo não abranger nenhuma dessas finalidades, não há que se falar no crime de formação de cartel.
No que tange ao tipo subjetivo do delito de formação de cartel, Maia (2008, p. 211) explica que o elemento subjetivo é o dolo direito de primeiro grau, isto é a vontade livre e consciente de abusar do poder econômico por meio de um ajuste ou acordo entre empresas. O sujeito ativo, portanto, deve agir com o conhecimento e a vontade de realizar todos os elementos descrito no tipo penal, dirigindo sua conduta pela finalidade específica de dominar o mercado ou eliminar sua concorrência de forma total ou parcial.
Realizada esta análise dogmática do crime de formação de cartel, passa-se a examinar, no próximo tópico, as questões atinentes ao sujeito ativo do referido delito, bem como os elementos que evidenciam a qualidade especial do sujeito para praticar a infração penal em questão.
6. O elemento normativo “abusar do poder econômico” e a pessoa jurídica como sujeito ativo do crime de formação de cartel
Pela análise dogmática desenvolvida acima, verifica-se que o tipo penal de formação de cartel é composto de diversos elementos normativos[11], fazendo com que seja necessário ao intérprete recorrer a outros ramos do direito, bem como outras áreas do conhecimento, a fim de possibilitar uma compreensão mais adequada da conduta proibida. Por exemplo, foi necessário se valer das ciências econômicas para explicar termos como mercado e, ainda, foram amplamente utilizados conceitos do direito concorrencial e empresarial para interpretação do delito de formação de cartel.
A infração penal em questão não faz nenhuma menção explícita ao sujeito ativo do crime, o que pode levar alguns a crer que se trata de crime comum[12], podendo ser praticado por qualquer pessoa. Todavia, como dito no tópico 1, a qualidade especial do sujeito ativo nem sempre é prevista de forma expressa, podendo, muitas vezes, ser extraída a partir dos elementos que compõem o tipo penal, sem que haja uma referência explícita em sua redação ao sujeito que realiza a conduta proibida. É o caso do delito de formação de cartel.
Maia (2008, p. 201-202) sustenta que o delito de formação de cartel constitui, implicitamente, um crime próprio, que só pode ser perpetrado por indivíduos capazes de realizar ajustes ou acordos em nome da empresa, ou seja, somente pessoas físicas com capacidade para vincular a empresa ao acordo podem ser autoras desse crime. Concorda-se com a afirmação de que se trata de crime próprio, todavia, não parece ser um delito que admite a pessoa física como autor, mas tão somente a pessoa jurídica.
Reconhece-se que, atualmente, a responsabilidade penal da pessoa jurídica está limitada aos crimes previstos na Lei nº 9.605/98, conforme estabelece o art. 3º[13] dessa norma. No entanto, a interpretação aqui sugerida se mostra viável, especialmente diante da possível aprovação do PLS nº 236/2012, que, em seu art. 41, caput, amplia essa responsabilidade penal para abarcar atos praticados contra a administração pública, a ordem econômica, o sistema financeiro e o meio ambiente.[14]
Dentre os elementos normativos que integram o tipo penal em análise, merece destaque a expressão “abusar do poder econômico”, pois, a partir do referido elemento, é possível extrair a qualidade especial exigida pelo sujeito ativo do delito de cartel, o que afasta classificação de crime comum geralmente atribuída a esta infração penal.
Maia (2008, p. 154) concebe o poder econômico como um contexto fático em que há uma acumulação significativa de riqueza por parte de um agente econômico específico, capaz de gerar impactos não apenas na sociedade como um todo, mas principalmente na dinâmica econômica. Sendo assim, a conduta tipificada no dispositivo legal em questão é perpetrada mediante o abuso do poder econômico, por meio de um uso desvirtuado desse poder, causando prejuízos econômicos para terceiros.
O sujeito ativo, portanto, deve deter poder econômico com a potencialidade de causar consequências sistematicamente consideradas indesejáveis. (MAIA, 2008, p. 156), utilizando-se desse poder de forma anormal, além dos limites tolerados pelo ordenamento jurídico. Trata-se de elemento essencial para caracterização do delito, sem o qual restará inviabilizada a sua configuração, diante da exigência de resultados que só podem ser alcançados por um indivíduo detentor de um poder econômico capaz de influenciar, de forma relevante, determinado segmento do mercado.
A partir dessas observações, constata-se que o tipo penal em questão atribui uma qualidade especial ao sujeito ativo do delito de formação de cartel. Conforme leciona Sales (1993, p. 59), o sujeito ativo pode ser detentor de uma qualidade natural ou jurídica, a depender da condição especial atribuída pelos elementos que integram o tipo. A qualidade natural diz respeito a características inerente ao indivíduo, tais como o sexo e determinadas condições biológicas ou biopsicológicas. (SALES, 1993, p. 60). De outro lado, a qualidade jurídica se refere a uma condição jurídica específica relacionada à pessoa do agente, podendo originar-se de diferentes áreas do direito. (SALES, 1993, p. 61).
A qualidade jurídica, portanto, decorre de uma situação jurídica regulada em outro ramo do direito. Por exemplo, o crime do artigo 152[15] do Código Penal, no qual o sujeito ativo somente pode ser o sócio ou o empregado de estabelecimento comercial ou industrial, cabendo ao direito empresarial e trabalhista, respectivamente, definir as condições jurídicas necessárias do sujeito ativo deste delito.
O delito de formação de cartel, por meio dos diversos elementos normativos contidos em sua redação, permite concluir que o referido tipo penal exige uma qualidade jurídica por parte do sujeito ativo, cuja ausência dessa condição impede a configuração do delito. Tal condição especial, como dito anteriormente, pode ser extraída a partir dos elementos que integram o tipo, especificamente a expressão “abuso do poder econômico”, bem como os elementos que fazem referência aos resultados exigidos para consumação do crime, quais sejam, a dominação do mercado ou a eliminação, total ou parcial, da concorrência.
De fato, para que alguém possa abusar do poder econômico, é necessário, primeiramente, que ela seja detentora de um poder econômico, de modo que este poder deve ser capaz de repercutir efeitos no mercado, ao ponto de o indivíduo conseguir dominá-lo, ou eliminar, de forma total ou parcial, a concorrência nele existente. A magnitude dos resultados exigidos para a consumação do crime também reforça a ideia de que o delito de formação de cartel exige uma qualidade especial jurídica por parte do sujeito ativo, que atua visando lesar a livre concorrência. Prado (2019, p. 15) explica que o delito em questão demanda que o sujeito ativo seja detentor do poder de mercado, ou seja, ele deve dispor de poder econômico suficiente para restringir ou limitar a livre concorrência no mercado relevante.
O poder econômico pode ser identificado a partir das normas de direito concorrencial, como é caso da posição dominante mencionada em tópico anterior. Lembrando que, o poder econômico e a posição dominante, por si sós, não configuram nenhum tipo de ilícito, mas o abuso dessa vantagem econômica é que caracterizará o delito de formação de cartel, de modo que a ausência dessa condição especial impede que o indivíduo venha a ser considerado sujeito ativo do crime.
O tipo penal exige que o abuso do poder econômico resulte de ajuste ou acordo entre empresas. Dessa forma, além do poder econômico, é preciso que duas ou mais empresas celebrem avenças entre si para praticar a atividade descrita no tipo penal, uma vez que o abuso do poder econômico realizado por uma única empresa não satisfaz as exigências do crime de formação de cartel.
A partir desta análise, percebe-se que o tipo penal de formação de cartel não descreve um comportamento humano, mas sim uma atividade que só pode ser realizada por pessoas jurídicas. Acerca do uso do termo “atividade” em vez de “comportamento”, Galvão (2024, p. 86-87), partindo da concepção significativa da ação[16], explica que o conceito de ação penal permite incluir a atividade[17] da pessoa jurídica, de modo que a conceber uma ação penal institucional. Segundo o referido autor, é possível atribuir significado tanto para os comportamentos realizados pelas pessoas físicas quanto para as manifestações coletivas da pessoa jurídica, denominadas de atividades. Fala-se, portanto, em ação penal individual (pessoa física) e ação penal institucional (pessoa jurídica).
Galvão (2024, p. 87) explica que a ação penal institucional possui um significado que não pode ser confundido com aquele atribuído à atuação das pessoas físicas. Segundo o autor, a primeira tem seu significado conferido normativamente a um contexto de atuação supraindividual, característico da pessoa jurídica. Assim, a atividade penalmente relevante da pessoa jurídica é estabelecida normativamente por critérios de imputação, que descrevem como a pessoa jurídica viola a norma penal incriminadora.
Os critérios em questão estão contidos no art. 3º da Lei nº 9.605/1998. O primeiro requisito é a violação à norma incriminadora, que nada mais é do que a realização da atividade descrita no tipo penal. O segundo requisito é decisão institucional tomada pela pessoa jurídica no sentido de realizar a referida atividade. O terceiro requisito é que essa infração penal tenha sido praticada no interesse ou benefício da pessoa jurídica. Por fim, Galvão (2024, p. 92) aponta um quarto requisito que está implícito na norma do art. 3º, qual seja, de que a atividade realizada cumpra decisão tomada pela pessoa jurídica.
Explicando os requisitos acima, Galvão (2024, p. 91) argumenta que, para um ato ser imputado a uma pessoa jurídica, ele deve ser realizado materialmente por pessoas físicas que possuam autoridade ou condições para agir em nome da entidade. Essas pessoas podem ter funções decisórias (elemento decisório da atividade) ou executórias (elemento executório da atividade), e suas ações devem refletir a atuação conjunta que caracteriza a atividade da pessoa jurídica. Para que o ato seja considerado como pertencente à pessoa jurídica, ele precisa ocorrer no contexto de suas atividades e violar normas dirigidas à pessoa jurídica, tanto aquelas que proíbem condutas específicas quanto aquelas que estabelecem deveres de agir. Por fim, o autor destaca que, para responsabilizar uma pessoa jurídica, é necessário que a atividade tenha como objetivo gerar benefícios para ela, a fim de evitar que a entidade seja responsabilizada por ações de pessoas físicas que, mesmo no exercício de suas funções, tenham agido para atender interesses pessoais diversos daqueles perseguidos pela pessoa jurídica.
Galvão (2024, p. 96) esclarece que os critérios supramencionados são apenas complementares, pois, para a correta responsabilização da pessoa jurídica, é imprescindível a observação dos dispositivos da parte geral do Código Penal brasileiro, que versam sobre aspectos que não estão contidos na lei especial, mas que se compatibilizam com a natureza da pessoa jurídica. Afinal, o autor relembra que o art. 12 do CPB é claro ao dizer que as regras gerais do referido código se aplicam aos fatos incriminados por lei especial. Logo, não há incompatibilidade entre os requisitos dispostos na Lei nº 9.605/98 e as demais categorias do conceito analítico do crime tratadas pelo CPB.
É possível afirmar, portanto, que o poder econômico pertence a pessoa jurídica, que celebra ajuste ou acordo com outras pessoas jurídicas detentoras de poder econômico, no intuito de dominar o mercado ou eliminar a concorrência. Dessa forma, os elementos normativos do tipo somente são satisfeitos pela pessoa jurídica, que possui a capacidade de realizar a atividade descrita pelo tipo.
Por outro lado, não parece possível afirmar que o poder econômico pertença a pessoa física, ainda que esta exerça função decisória dentro da empresa. Também não parece adequado dizer que é a pessoa física que está dominando o mercado, uma vez que a atividade empresarial é exercida pela pessoa jurídica, que se une a outras pessoas jurídicas para abusar de seu poder econômico. Além disso, o tipo penal de formação de cartel, em seu inciso I, é expresso ao dizer que o acordo é celebrado entre empresas, não havendo menção de pessoas naturais como parte da avença.
O crime de formação de cartel é, portanto, um crime próprio cujo autor é a pessoa jurídica, não sendo possível falar em autoria por parte de pessoas físicas. Afinal, somente a pessoa jurídica pode abusar de seu poder econômico, bem como celebrar ajuste ou acordo com outras pessoas jurídicas. A pessoas físicas somente respondem como partícipes nesse crime, uma vez que não podem realizar a atividade descrito pelo tipo, contudo, podem prestar auxílio ou instigar na realização da atividade típica.
Trata-se do típico caso de delito especial, conforme classificação dada por Roxin e Greco (2024, p. 554), tendo em vista a exigência de propriedades por parte do autor que só são satisfeitas pela pessoa jurídica, o que permite distinguir autor e partícipe com maior facilidade. Quem preenche as exigências do tipo é o autor, enquanto o participe vai ser aquele que não possui tais características, mas que de certa forma contribui para o fato principal realizado pelo autor. Neste sentido, Busato (2016) esclarece que as pessoas físicas efetivamente podem ser coautoras ou partícipes do delito da pessoa jurídica, mas a ausência das primeiras não impede a responsabilidade da segunda, tendo em vista a possibilidade de atribuir ação às pessoas jurídicas independentemente de eventual ação das pessoas físicas.
Assim, as pessoas físicas que contribuem para a realização de ajustes ou acordos entre empresas podem ser consideradas partícipes no crime de formação de cartel. No entanto, somente as empresas que firmam entre si o acordo destinado a abusar do poder econômico, com o objetivo de dominar o mercado ou eliminar a concorrência, serão consideradas autoras do tipo penal em questão. É possível afirmar, portanto, que a pessoa jurídica é a figura central do acontecer típico, sem a qual não será possível falar em crime de formação de cartel.
Essa distinção será relevante no caso de eventual ampliação da responsabilidade penal da pessoa jurídica para abarcar também os crimes praticados contra a ordem econômica. Dessa forma, em certos casos, será possível reconhecer uma participação de menor importância por parte da pessoa física, nos termos do art. 29, § 1º, do CPB.
Embora o delito de formação de cartel não mencione expressamente seu sujeito ativo, a análise dos elementos normativos revela a exigência de uma qualidade jurídica específica que somente a pessoa jurídica pode satisfazer. Dessa forma, o art. 4º, inciso I, da Lei nº 8.137/1990 restringe a autoria do crime às pessoas jurídicas, relegando às pessoas físicas a posição de partícipes no cometimento do delito.
7. Considerações finais
Estas são as conclusões do presente trabalho:
1) O sujeito ativo compõe os elementos objetivos do tipo penal;
2) O tipo penal pode atribuir ao seu sujeito ativo uma qualidade especial, que não precisa estar expressa em sua redação, podendo ser extraída implicitamente dos elementos objetivos e subjetivos que integram o tipo;
3) O tipo penal contido no artigo 4º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 é formado por diversos elementos normativos, fazendo com que seja necessário recorrer a outros ramos do direito e do conhecimento para compreender o conteúdo proibitivo da norma analisada;
4) O abuso de poder econômico mencionado no inciso I é a ação exigida para caracterização do tipo penal de formação de cartel, podendo ser compreendido como o uso excessivo do poder ou de um direito por parte do sujeito que o detém;
5) A partir da doutrina, é possível conceituar poder econômico como um contexto fático em que há uma acumulação significativa de riqueza por parte de um agente econômico específico, capaz de gerar impactos não apenas na sociedade como um todo, mas principalmente na dinâmica econômica;
6) Não é possível conceber o tipo penal previsto no art. 4º, inciso I, da Lei nº 8.137/90 sem que os comportamentos descritos sejam alcançados por meio de um ajuste ou acordo entre empresas. Trata-se de elemento essencial do tipo sem o qual a conduta se torna atípica, sob a ótica do direito penal;
7) O tipo penal de formação de cartel não descreve um comportamento humano, mas sim uma atividade que só pode ser realizada por pessoas jurídicas;
8) É possível atribuir significado tanto para os comportamentos realizados pelas pessoas físicas quanto para as manifestações coletivas da pessoa jurídica, denominadas de atividades. Fala-se, portanto, em ação penal individual (pessoa física) e ação penal institucional (pessoa jurídica);
9) A atividade penalmente relevante da pessoa jurídica é estabelecida normativamente por critérios de imputação, que descrevem como a pessoa jurídica viola a norma penal incriminadora;
10) O poder econômico pertence a pessoa jurídica, que celebra ajuste ou acordo com outras pessoas jurídicas detentoras de poder econômico, no intuito de dominar o mercado ou eliminar a concorrência. Dessa forma, os elementos normativos do tipo somente são satisfeitos pela pessoa jurídica, que possui a capacidade de realizar a atividade descrita pelo tipo;
11) Não parece possível afirmar que o poder econômico pertença a pessoa física, ainda que esta exerça função decisória dentro da empresa. Também não parece adequado dizer que é a pessoa física que está dominando o mercado, uma vez que a atividade empresarial é exercida pela pessoa jurídica, que atua efetivamente no mercado, com possibilidade de dominá-lo;
12) O crime de formação de cartel é um delito próprio ou especial cujo autor é a pessoa jurídica, não sendo possível falar em autoria por parte de pessoas físicas. A pessoa jurídica, portanto, é a figura central do acontecer típico no crime de formação de cartel;
13) A pessoas físicas somente respondem como partícipes nesse crime, uma vez que não podem realizar a atividade descrito pelo tipo, contudo, podem prestar auxílio ou instigar na realização da atividade típica;
14) O delito de formação de cartel possuí elementos normativos que exigem uma qualidade jurídica específica que somente a pessoa jurídica pode satisfazer. Dessa forma, o art. 4º, inciso I, da Lei nº 8.137/1990 restringe a autoria do crime às pessoas jurídicas, relegando às pessoas físicas a posição de partícipes no cometimento do delito.
Matheus Oliveira Araújo é Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Direito Penal Econômico pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Sócio na Santos, Braga & Araújo Sociedade de Advogados.
REFERÊNCIAS
ANTÓN, Tomas S. Vives. Fundamentos do sistema penal. Tradução: Paulo César Busato. 2. Ed. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2022.
BAGNOLI, Vicente. Direito econômico e concorrencial. 7. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2017.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2003.
BRUNA, Sérgio Varella. O poder econômico e a conceituação do abuso em seu exercício. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
BUSATO, Paulo Cesar. Autoria e participação nos delitos de pessoas jurídicas. Gen Jurídico. São Paulo, 12 de janeiro de 2016. Disponível em: https://blog.grupogen.com.br/juridico/areas-de-interesse/penal/autoria-e-participacao-nos-delitos-de-pessoas-juridicas/. Acesso em: 20 jan. 2024.
CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 1993.
FIDELIS, Andressa Lins. Entre o “laissez-faire” americano e o “intervencionismo” europeu: para qual direção aponta a atual investigação do CADE sobre o mecanismo de busca do Google. RDC, Vol. 3, nº 2., pp. 65-86, nov. 2015. Disponível em: https://revista.cade.gov.br/index.php/revistadedefesadaconcorrencia/article/view/201. Acesso em: 20. dez. 2021.
FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga; BAGNOLI, Vicente. Direito concorrencial. 2. ed. rev. e atual e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. – (Coleção tratado de direito empresarial; v. 7 / coordenação Modesto Carvalhosa).
GALVÃO, Fernando. Direito penal: parte geral. 13. ed. Belo Horizonte, São Paulo: D’Plácido, 2020.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988 (interpretação crítica). 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
GRECO, Luís. Autoria como domínio do fato: estudos introdutórios sobre o concurso de pessoas no direito penal brasileiro. 1. ed. São Paulo: Marcial Pons, 2014.
GOMEZ BENÍTEZ, Manuel José. Teoría jurídica del delito. Madrid: Civilistas, 1984.
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. 10. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
HORTA, Frederico Gomes. Do erro sobre os elementos normativos das leis penais no direito penal econômico. In: LOBATO, José Danilo Tavares; MARTINELLI, João Paulo Orsini; SANTOS, Humberto Souza (Orgs.). Comentários ao direito penal econômico brasileiro. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2017.
LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único. 7. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: JusPODIVM, 2019.
MAIA, Rodolfo Tigre. Tutela penal da ordem econômica: o crime de formação de cartel. São Paulo: Malheiros, 2008.
MARTINEZ, Ana Paula. Repressão a cartéis: interface entre direito administrativo e direito penal. São Paulo: Editora Singular, 2013.
NOGUEIRA GALVÃO DA ROCHA, F. A. Modelo brasileiro de imputação de responsabilidade penal para pessoas jurídicas. Cadernos de Dereito Actual, [S. l.], n. 23, 2024. Disponível em: https://www.cadernosdedereitoactual.es/ojs/index.php/cadernos/article/view/1104. Acesso em: 20 dez. 2024.
REALE JUNIOR, Miguel. Problemas penais concretos. São Paulo: Malheiros, 1997.
ROXIN, Claus. Derecho penal parte general, Tomo II. Madrid: Civitas, 2014.
ROXIN, Claus. GRECO, Luís. Direito penal: parte geral, tomo I: fundamentos a estrutura da teoria do crime. São Paulo: Marcial Pons, 2024.
SALES, Sheila Jorge Selim de. Do sujeito ativo na parte especial do código penal. Belo Horizonte: Del Rey, 1993.
_________________________. Dos tipos plurissubjetivos. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.
SANDRONI, Paulo. Dicionário de administração e finanças. 3 ed. São Paulo: Best Seller, 2001.
SILVA, Américo Luís Martins. A ordem constitucional econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 42. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2019.
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal empresarial: a omissão do empresário como crime – Coleção ciência criminal contemporânea – vol. 5 – Coordenação: Cláudio Brandão. Belo Horizonte: Editora D’Plácido, 2018.
TAVARES, Juarez. Fundamentos de teoria do delito. 3. ed. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl. BATISTA, Nilo. ALAGIA, Alejandro. SLOKAR, Alejandro. Direito penal brasileiro, segundo volume: teoria do delito: introdução histórica e metodológica, ação e tipicidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2010.
ZINI, Júlio César Faria. Apontamentos sobre o direito penal econômico e suas especificidades. Rev. Fac. Direito UFMG, Belo Horizonte, n. 60, p. 147 a 207, jan./jun. 2012. Disponível em: https://revista.direito.ufmg.br/index.php/revista/article/view/P.0304-2340.2012v60p147. Acesso em: 19. dez. 2021.
NOTAS
[1] Galvão (2020, p. 270) explica que o tipo penal pressupões a relação entre três sujeitos distintos, quais sejam, o sujeito ativo, o sujeito passivo e o Estado. O primeiro é aquele responsável pela realização da conduta típica, enquanto o segundo é o titular do bem jurídico violado pela prática do comportamento típico. Por fim, o Estado representa a pessoa jurídica de Direito Público responsável por exercer o poder punitivo.
[2] O crime em questão prevê expressamente que o sujeito ativo deverá ser um funcionário público, conforme se observa no caput do artigo 312: “Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio”
[3] Os autores distinguem delitos especiais em próprios e impróprios. Os delitos especiais próprios são aqueles em que a qualidade do autor fundamenta o tipo, citando como exemplo o crime previsto no § 229 do StGB, no qual somente são puníveis as pessoas designadas pelo tipo em questão. Os delitos especiais impróprios, por sua vez, contêm elementar típica que serve apenas para o agravamento da pena. (ROXIN, GRECO, p. 554, 2024).
[4] “Aquele que, servindo-se de uma organização verticalmente estruturada e apartada dissociada da ordem jurídica, emite uma ordem cujo cumprimento é entregue a executores fungíveis, que funcionam como meras engrenagens de uma estrutura automática não se limita a instiga, mas é verdadeiro autor mediato dos fatos realizados.” (GRECO et al, 2014, p. 27-28).
[5] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; (Vide Lei nº 13.874, de 2019)
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
[6] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[7] Corroborando com o exposto, Luiz Regis Prado (2019, p. 9) entende que “ressalvadas as hipóteses previstas constitucionalmente, o Estado não deve intervir na atividade econômica, ou seja, apesar de legitimado para tal, está também limitado nos termos da própria Constituição.”
[8] Dentre as críticas que se destacam ao fenômeno da expansão do direito penal, pode-se mencionar autores como Eugênio Raul Zaffaroni, Winfried Hassemr , Jesus Maria Silva Sanchez, Luigi Ferrajoli, dentre outros.
[9] Com o advento da Lei nº 12.529/2011, os artigos 5º e 6º da Lei nº 8.137/90 foram integralmente revogados, restando apenas o artigo 4º como dispositivo legal responsável por tutelar a livre concorrência.
[10] “Assim, como se constata da sua leitura, na Lei federal 8.137/1990 não consta qualquer rubrica indicativa da presença de um crime de “formação de cartel”, e nem mesmo existe a expressão vernacular “cartel” no bojo dos inúmeros tipos penais que são ali enunciados. Como resultado de uma verdadeira interpretação autêntica, entretanto, juntamente com outros que são previstos na mesma lei de regência, o tipo penal por nós analisado foi inserido em um grupo de crimes a que o próprio legislador designou coletivamente com o nomen juris “formação de cartel”. Com efeito, em razão da redação dada pela Emenda Constitucional 19/1998 ao inciso I do § 1º do art. 144 da CF de 1988, que passou a prever a existência de infrações penais com repercussão interestadual ou internacional, que demandariam repressão uniforme e cuja apuração passaria a ser incluída no escopo de atribuições funcionais da Polícia Federal, promulgou-se a Lei federal 10.466/2002, com manifesto propósito de regulamentar o referido preceito. E, ao relacionar exemplificativamente as referidas infrações, o art. 1º dessa lei utilizou a designação “formação de cartel” (inciso II) para fazer uma remissão expressa aos crimes que estavam previstos nos incisos I, “a”, II, III e VII, todos integrantes do artigo 4º da Lei federal 8.137, de 27.12.1990.” (MAIA, 2008, p. 34-35).
[11] Segundo Tavares (2020, p. 208), “os elementos normativos exigem, para a sua compreensão, um juízo de valor, que pode ser social, cultura ou jurídico. (...) o elemento “documento”, inserido nos crimes de falsidade documental, é aferido de um juízo de valor jurídico.”
[12] Na doutrina, Renato Brasileiro de Lima (2019, p. 128) defende que o crime de formação de cartel é “crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa.”
[13] Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
[14] Art. 41. As pessoas jurídicas de direito privado serão responsabilizadas penalmente pelos atos praticados contra a administração pública, a ordem econômica, o sistema financeiro e o meio ambiente, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
[15] Art. 152 - Abusar da condição de sócio ou empregado de estabelecimento comercial ou industrial para, no todo ou em parte, desviar, sonegar, subtrair ou suprimir correspondência, ou revelar a estranho seu conteúdo:
Pena - detenção, de três meses a dois anos.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.
[16] A concepção significativa da ação foi elaborada por Tomás Salvador Vives Antón. Segundo o autor espanhol (2022, p. 159), a ação é concebida como um processo simbólico regido por normas, atribuindo-se um significado social à conduta, a partir da expressão linguística. Assim, Vives Antón propõe uma nova forma de entender o conceito de ação, considerando-a como interpretações atribuídas ao comportamento com base em diferentes tipos de regras sociais. Ele sugere redefinir o conceito de ação, não como um substrato comportamental que recebe um significado, mas como um sentido que, conforme um sistema de normas, pode ser atribuído a determinados comportamentos.
[17] No mesmo sentido, Busato esclarece que, se a ação representa a manifestação de um sentido que pode ser atribuída de forma dolosa a uma vontade, por meio do reconhecimento de um desvalor de ação baseado em indicadores objetivos externos, não existe impedimento para que a pessoa jurídica seja reconhecida, do ponto de vista dogmático, como autora de um crime. Trata-se de hipótese viável mesmo que não exista um coautor ou partícipe pessoa física envolvido. BUSATO, Paulo Cesar. Autoria e participação nos delitos de pessoas jurídicas. GenJurídico. São Paulo, 12 de janeiro de 2016. Disponível em: https://blog.grupogen.com.br/juridico/areas-de-interesse/penal/autoria-e-participacao-nos-delitos-de-pessoas-juridicas/. Acesso em: 20 jan. 2024.
Comments