análise do requisito no conceito analítico de crime
Sumário: 1. Introdução – 2. Um panorama pela responsabilidade penal de pessoas jurídicas – 3. O déficit de organização como elemento da teoria do delito; 3.1. O déficit de organização como elemento da tipicidade objetiva; 3.2. O déficit de organização como elemento da tipicidade subjetiva; 3.3. O déficit de organização como elemento da culpabilidade – 4. Considerações finais – 5. Referências bibliográficas
1. Introdução
A responsabilidade penal da pessoa jurídica (PJ) ainda é um tema controverso na dogmática penal. Apesar da previsão no texto constitucional quanto a sua aplicabilidade, expressamente referida, aos delitos contra o meio ambiente, ainda há quem sustente a impossibilidade dogmática de sua concretização, regulamentada pela legislação infraconstitucional. Isto se dá, em sua maioria, pelos argumentos de que a teoria criminal está situada no âmbito das ações humanas e, por esta razão, os elementos de limitação do poder punitivo e de controle não abarcariam as empresas.
Ainda com a resistência doutrinária, no entanto, foi promulgada a lei de crimes ambientais (Lei 9.605/98) e, nesta, restam expressas as previsões de imputabilidade das pessoas jurídicas que assumem condutas lesivas ao bem jurídico do ambiente. A partir desta, ainda que a dogmática siga em resistência, a responsabilidade penal da pj se torna realidade no ordenamento brasileiro e suas disposições passam a ser objeto de diversas ações penais – inclusive em casos emblemáticos como o do rompimento da barragem de Fundão em Mariana/MG e da barragem de Córrego do Feijão em Brumadinho/MG.
Partindo destes pressupostos, diversos são os autores que buscam compreender, estudar e impor limites e balizas ao Direito Penal que tem como autor a pessoa jurídica. Evidentes são as peculiaridades em relação à dogmática clássica, uma vez que, diferentemente de pessoas físicas, as decisões, as condutas e as repercussões empresariais são complexas e partem de diversas análises não individuais. Inclusive, o reconhecimento da sistemática complexa e das expansões de perigo em que as empresas estão envolvidas nos últimos anos são fortes argumentos de política criminal para a persecução penal destes agentes empresários – impossível negar que as empresas estão envolvidas nos maiores casos de criminalidade (aqui, não apenas ambiental) nos últimos anos no país.
Com base no exposto, a presente pesquisa busca mapear estes desenvolvimentos teóricos da responsabilidade penal da pj, focando em um elemento que parece permear a maior parte destas construções: o déficit de organização. Ainda que cada um em sua categoria, os autores parecem permanecer na compreensão de que seria relevante ao Direito Penal o critério de que uma falha organizacional seja elemento de imputação de uma empresa.
Assim, no seu primeiro tópico, são perpassados conceitos gerais que permeiam a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Inicia-se pelos argumentos de perspectiva político-criminal para tal, passando ainda pela previsão constitucional e pelos elementos infraconstitucionais que limitam e constituem essa possibilidade. Trabalha-se, posteriormente, as teorias de imputação da pj, em especial a de heterorresponsabilidade, que reconhece a ação da empresa por meio das pessoas físicas que agem, e a de autorresponsabilidade, que entende pela autonomia da pj como ente capaz de agir e se responsabilizar independente de ações individuais.
Após breve análise do panorama judicial brasileiro, com a inexistência de posicionamento incontroverso pelo Judiciário e a adoção de entendimentos controversos em casos midiáticos, parte-se à análise mais detida do elemento do déficit de organização pelo seu principal elemento de concretização: a adoção de sistemas robustos de compliance. Em especial com o crescimento da responsabilidade penal das empresas, a figura da autorregulação em integridade e conformidade (compliance) ganha expressiva força para a definição de imputação penal após o cometimento de ações criminalmente relevantes.
Neste, há quem entenda que este déficit de organização esteja diretamente relacionado ao tipo penal objetivo, tratando-se da análise de um dos elementos da ação empresarial que devem ser ponderados nesta esfera. Há, ainda, quem acredite que o déficit deva ser compreendido na tipicidade subjetiva da conduta, analisado como elemento do dolo de uma ação da pj em lesar algum bem juridicamente tutelado. Por fim, há quem defenda que esse critério deva ser objeto de análise da culpabilidade empresarial, como uma potencialidade de agir diferente ao instaurar falhos elementos de controle e segurança dos processos empresariais.
A pesquisa, adotando o método exploratório e tendo por base a legislação e a doutrina tanto brasileira como estrangeira, busca sintetizar essas teorias para que, ao final, seja traçado raciocínio crítico sobre todas as disposições do déficit de organização como elemento essencial da responsabilidade penal da pessoa jurídica. Serão postos, assim, os elementos identificados de cada um dos autores que assim as defendem, bem como suas argumentações e os posicionamentos contrários a estes com o fim de produzir análise unificada deste ponto tão relevante à dogmática penal.
2. Um panorama pela responsabilidade penal de pessoas jurídicas
O Direito Penal, em sua concepção, se preocupou em responder às perguntas que nasciam das condutas criminosas – e dos criminosos – das pessoas físicas: quais as condutas são juridicamente relevantes para serem combatidas pela ultima ratio do Direito? Quais os elementos que definem a imputabilidade do agente? Como estruturar o nexo causal entre a conduta (ou a omissão) realizada e o resultado dela?
Com a evolução social, no entanto, as informações começaram a ser divulgadas com maior rapidez, os meios de produção se tornaram mais ágeis e a busca por lucros é, atualmente, o grande objetivo social. As relações se estabelecem, hoje, de forma mais complexa, fazendo com que certos contatos acarretem certas consequências notavelmente lesivas.
Com a predominância da independência e da autodeterminação, as condutas se veem cada vez mais arriscadas, com potencial lesivo de atingir bem jurídicos alheios. Segundo SILVA SÁNCHEZ (2013, p. 39), a crise do modelo de bem-estar social levou ao crescimento das desigualdades sociais, da marginalidade e do desemprego, gerando significativas reverberações internas que geram frequentes episódios de violência.
SILVA SÁNCHEZ (2013, p. 40) define a atual sociedade como “sociedade da insegurança sentida”, não desacreditando na existência destes novos riscos, mas determinando que a pluralidade de informações e a diversidade social fazem difícil a distinção do que pode ser confiável ou não, construindo um sentimento de incerteza. É neste contexto, e partindo das premissas acima expostas, que ganha maior relevância nos últimos anos a chamada responsabilidade penal da pessoa jurídica, em que, diferentemente do modelo tradicionalmente debatido, o autor da conduta criminalmente imputável é uma pessoa jurídica.
O fundamento legal para a responsabilidade penal das empresas se dá, majoritariamente, em esfera constitucional, uma vez que a Constituição, no parágrafo 3º do seu artigo 225, prevê expressamente as sanções penais às pessoas jurídicas às condutas lesivas ao meio ambiente. Assim estabelece:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
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§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados (BRASIL, 1988). (grifei)
O tema, no entanto, está longe de ser incontroverso; em verdade, apesar do expresso texto acima colocado, até mesmo o respaldo constitucional da responsabilidade penal de empresas é questionado pela doutrina. Há quem afirme que a previsão constitucional é obscura, uma vez que a responsabilidade penal brasileira é limitada à responsabilidade subjetiva e individual, bem como que a conduta – ação ou omissão – são elementos essencialmente do ser humano (BITENCOURT, 2008, p. 110/111).
As críticas perpassam não apenas a ausência de previsão constitucional para a matéria, mas também a incapacidade de equivalência dos conceitos aplicados às pessoas físicas para as pessoas jurídicas. Os clássicos conceitos de culpabilidade, de ilicitude e até mesmo de tipicidade e de conduta não seriam analisados da mesma forma nem mesmo sob os mesmos conceitos e parâmetros, o que causaria a adoção de um Direito Penal paralelo (BARBERO SANTOS, 1987, p. 1097) e do distanciamento do tratamento igualitário entre os autores criminais.
Fato é que, em 1998 e em atenção ao dispositivo constitucional acima trabalhado, foi promulgada a Lei n. 9.605 que, em seu conteúdo, dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Em seu texto, mais precisamente em seu artigo 3º, há a expressa previsão da responsabilidade penal para as pessoas jurídicas, esgotando, assim, o questionamento da ausência de previsão legal para a imputação a esses agentes:
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade (BRASIL, 1998). (grifei)
Diferentemente das pessoas físicas, no entanto, as sanções penais impostas à pessoa jurídica perpassam a imposição da interrupção das atividades, a interdição temporária do estabelecimento, a proibição de contratar com o Poder Público e a prestação de serviços à comunidade (BRASIL, 1998). Há, ainda, determinação de sanção de caráter mais grave, com a liquidação forçada da pessoa jurídica nos casos em que sua constituição se der, de forma preponderante, para facilitar, ocultar ou permitir a prática de crime.
A opção legislativa, no caso da pessoa jurídica, se dá tanto pelo viés da relevância do bem jurídico, como pelo entendimento da complexidade da definição dos agentes que realizam as condutas criminalmente relevantes. No primeiro ponto, o meio ambiente se apresenta como um dos objetos legítimos de proteção das normas (ROXIN, 2018, p. 18) mais relevantes em razão da sua abrangência e da sua coletividade. Qualquer lesão realizada causa danos a um significativo número de pessoas – isto sem contar os demais elementos da fauna, da flora e de todo o ecossistema que restam afetados. Para além dos tradicionais elementos de proteção, como os animais e os rios, o meio ambiente também engloba temas de mais recente discussão como a poluição sonora e visual.
Já em relação ao segundo ponto, parte-se da importância anteriormente trabalhada para ressaltar a necessidade de imputação penal às condutas que, por serem realizadas por detrás da figura de uma empresa, são de difícil identificação da autoria. Tratando-se da imputação penal de pessoas físicas, é elemento necessário a precisa determinação de quem seria a pessoa que realizou a conduta criminalmente prevista, o que assume contornos nebulosos em se tratando de decisões empresariais. Neste sentido, esclarece Luiz Regis Prado:
Quadram aqui as judiciosas observações no sentido de que a mantença do princípio da irresponsabilidade criminal da pessoa jurídica preconiza, mais ou menos expressamente, a punição daquele que se oculta atrás do ente coletivo, isto é, pretende que se puna o “parasita social”, e não a “carapaça” que o recobre. [...] É certo, também, que as pessoas jurídicas são muito mais contingentes, mutáveis, transformam-se mais rapidamente que a pessoa física. Desse modo, seus membros ou sócios podem ser substituídos, sua forma modificada, sua organização subvertida e sua realidade econômica transferida (PRADO, 2019, p. 134).
Dessa forma, fundamenta-se, mais uma vez, a imputação penal às pessoas jurídicas; o ilícito cometido pela empresa se mostra de tamanha importância que a adoção de medidas meramente administrativas, que não perpassam as garantias do processo penal, seria retirar da pj direitos fundamentais de ampla defesa e de contraditório. Como defende BUSATO (2018, p. 58), “se o ilícito perpetrado por uma pessoa jurídica é uma das ofensas mais graves aos bens jurídicos mais importantes para o desenvolvimento social dos indivíduos [...], o uso do Direito administrativo supõe um abuso”.
A empresa é um organismo complexo e, em verdade, suas ações não estão sob controle exclusivo ou dependente de apenas a uma pessoa que possa ser responsabilizada por suas ações. A empresa agiria, assim, como se em função de garante das ações realizadas pelos seus funcionários, podendo e devendo agir para impedir que resultados lesivos sejam causados por suas condutas – tanto praticadas de forma comissiva (ação) quanto não agindo para impedir que seja realizado em seu benefício (omissão) (SHECAIRA, 2012, p. 283).
Superados os pontos da alegada irrelevância da responsabilidade penal da pessoa jurídica, tem-se a necessidade de definir a concepção brasileira sobre o tema. Isto se dá em razão de não haver posição unânime, seja doutrinária ou jurisprudencial, em que são estabelecidos os contornos de cada um dos elementos da teoria do delito partindo do pressuposto de uma empresa. Existem, conforme serão exploradas, diversas teorias que tentam, cada uma a sua maneira, adequar da melhor forma tanto os conceitos dogmáticos quanto a prática empresarial.
A primeira corrente é intitulada heterorresponsabilidade uma vez que parte da ação da pessoa física. Nesta corrente, parte-se da realização de uma conduta humana criminalmente relevante e imputável e, com base nesta e no vínculo da pessoa com a empresa, seria também responsabilizada a pessoa jurídica. Este é o caso chamado pelos franceses de responsabilidade penal por ricochete, sendo que “a responsabilidade penal da pessoa moral está condicionada à prática de um fato punível suscetível de ser reprovado a uma pessoa física. [... sendo a] infração penal imputada a uma pessoa jurídica será quase sempre igualmente imputável a uma pessoa física” (BRODT, MENEGHIN, 2015, p. 7).
Há quem defenda (TAVARES, 2018, p. 103) que, em atenção ao disposto no art. 3º da Lei 9.605/98, a modalidade de responsabilização de empresas no Brasil seria a heterorresponsabilidade, em especial pela expressa previsão de que a conduta deva ser realizada “por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade” (BRASIL 1998). Haveria, assim, a necessidade da análise de uma conduta humana que estaria agindo de acordo com o interesse empresarial, o que faria com que o modelo brasileiro não reconhecesse a autonomia da responsabilidade da pessoa jurídica.
As maiores correntes de heterorresponsabilidade se subdividem em teoria da identificação e teoria da responsabilidade vicarial. Na teoria da identificação, a vontade da pessoa física – aqui, dos dirigentes ou daqueles com poderes suficientes para representar a empresa – se confunde com a vontade da pessoa jurídica, “de modo que a pessoa que age não está agindo pela corporação, é que ela é a corporação” (GONZÁLEZ CUSSAC, 2015, p. 1035). Já na representação vicarial, a responsabilidade penal também deriva de ações e de omissões dos seus demais empregados quando agirem no interesse da empresa.
Em contrapartida ao sistema de heterorresponsabilização, encontramos a corrente que entende pela autorresponsabilidade empresarial; nesta, as ações da pj não são dependentes das ações de uma pessoa física, mas reconhecem que a empresa possui capacidade de ação independente de seus funcionários e dirigentes. Este modelo, assim, dispensa a necessidade da correlação entre a conduta humana e a conduta empresarial, buscando conceber os elementos da teoria do delito de forma a adapta à realidade da pessoa jurídica.
O ponto de atenção aqui está no fato de que, no Brasil, não há a adoção de um posicionamento para a construção da teoria da responsabilidade penal das empresas. Os inúmeros pontos de vistas contraditórios, bem como a falta de uniformização adequada do entendimento jurisprudencial dificultam o avanço coeso na discussão da questão dogmática posta.
No julgamento do Recurso Extraordinário n. 548.181/PR, a Min. Rosa Weber, então relatora do recurso, proferiu entendimento paradigmático em relação à responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Assim se vê a ementa deste RE, com breve passagem de todos os tópicos abordados no julgamento:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PENAL. CRIME AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA. CONDICIONAMENTO DA AÇÃO PENAL À IDENTI FICAÇÃO E À PERSECUÇÃO CONCOMITANTE DA PESSOA FÍSICA QUE NÃO ENCONTRA AMPARO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. 1. O art. 225, § 3º, da Constituição Federal não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação. 2. As organizações corporativas complexas da atualidade se caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta. 3. Condicionar a aplicação do art. 225, §3º, da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às corporações, além de reforçar a tutela do bem jurídico ambiental. 4. A identificação dos setores e agentes internos da empresa determinantes da produção do fato ilícito tem relevância e deve ser buscada no caso concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu no interesse ou em benefício da entidade coletiva. Tal esclarecimento, relevante para fins de imputar determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde, todavia, com subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Em não raras oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas de tal modo que não permitirão a imputação de responsabilidade penal individual. 5. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte conhecida, provido (STF. RE n. 548181, Relator(a): Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 06/08/2013, publicado em 30/10/2014).
Ainda que de forma difusa, ao ser analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), foi reafirmada a constitucionalidade do dispositivo que prevê a sanção penal às empresas (BRASIL, 2014, p. 17), mas o julgado foi além: afirmou a independência da responsabilidade da empresa em relação à conduta de alguma pessoa física vinculada:
Em resumo, a clivagem inerente ao funcionamento dos modernos conglomerados empresariais, em muitos casos, quase que impede a atribuição do fato delituoso a uma pessoa física determinada. Essa, exatamente, a ratio essendi, na minha visão, da norma constitucional que acolhe a responsabilidade penal da pessoa jurídica em atividades lesivas ao meio ambiente. Logo, não se coaduna com a norma do § 3º do art. 225 da Constituição da República o condicionar ou o subordinar a responsabilização penal do ente moral à imputação cumulativa do fato ilícito a indivíduo específico (BRASIL, 2014, p. 21/22).
Ao que aponta as razões de decidir da Min. Rosa Weber, acompanhada dos demais Ministros que julgaram o RE, o STF teria adotado a teoria da autorresponsabilidade empresarial, reconhecendo a desnecessidade da vinculação da referida ação penal à imputação de pessoas físicas – trazendo novos moldes ao entendimento jurisprudencial até então realizado (OLIVEIRA, BREVES, 2020, p. 63). Assim o faz pontuando argumentos de política criminal, como a “impossibilidade prática de comprovar a responsabilidade humana no interior da corporação, ante divisão horizontal e vertical de atribuições; ou de uma reconhecida amenização das culpas individuais, em face da complexidade estrutural e orgânica do funcionamento e das deliberações do ente moral” (BRASIL, 2014, p. 26).
Este entendimento, no entanto, se mostrou absolutamente afastado da recente compreensão adotada pela Juíza Federal no julgamento das empresas denunciadas no Caso Samarco em 2024. Na sentença da Ação Penal n. 0002725-15.2016.4.01.3822, em trâmite na Subseção Judiciária de Ponte Nova/MG pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região, houve a absolvição das pessoas jurídicas em razão da ausência de responsabilidade penal de seus dirigentes.
A extensa sentença, que abarca não apenas pessoas jurídicas, mas também as pessoas físicas denunciadas no caso, parte de detalhada análise dos elementos de prova trazidos pelo Ministério Público Federal como comprovações das ações e das omissões que supostamente deram causa ao rompimento da Barragem de Fundão, ocasionando um dos maiores desastres ambientais da história do país. Neste ponto, são perpassadas as ações/omissões apontadas como causas pelas pessoas físicas e, na razão de decidir deste caso, entende-se pela ausência de comprovação do nexo causal entre as condutas apontadas e o resultado obtido.
Ao analisar a responsabilidade penal da empresa Samarco Mineração S.A., concluiu-se que, diante da ausência de nexo causal entre as ações das pessoas físicas e o resultado, não seria possível penalizar a empresa por ricochete. Inclina-se, assim, aos modelos de heterorresponsabilidade, assim definidos em julgado:
No entanto, embora as omissões dos gerentes da SAMARCO (GERMANO e DAVIÉLY) - que levaram o risco permitido a um patamar proibido - tenham sido identificadas linhas acima e possam, sem qualquer dificuldade, ser transferidas à pessoa jurídica, a ausência de prova do nexo causal entre omissões e resultados danosos importou na absolvição das pessoas naturais, raciocínio que se estende, por ricochete, à pessoa jurídica (MINAS GERAIS, 2024, p. 141).
Como se vê, portanto, não há entendimento pacificado nos Tribunais brasileiros aptos a ensejar uma compreensão uníssona e coesa em relação à responsabilidade penal das pessoas jurídicas, estando cada caso e cada agente refém do órgão e do julgador ao qual sua ação penal será redirecionada. Resta justificada a imensa relevância que a doutrina possui dentro deste campo de estudo do Direito Penal: na ausência de posicionamento consolidado dos julgadores, há mais do que margem, mas sim necessidade de que a dogmática penal se fortaleça e, assim, consiga robustecer as decisões a serem proferidas pelos juízos em casos concretos futuros.
Na busca pela construção ideal de um modelo de responsabilidade da pessoa jurídica que esteja de acordo com a legislação e a dogmática brasileira, em especial na construção dos elementos necessários às teorias de autorresponsabilidade, cada doutrinador busca, na teoria do delito, os requisitos que entendem congruentes para a realidade empresarial. São diversas as proposições realizadas para buscar a que mais atende não apenas aos fundamentos do Direito Penal, mas que justifiquem a capacidade de ação e de consciência da pessoa jurídica.
Dentre a maior parte destas formulações teóricas, há um elemento que sempre ronda o fundamento da responsabilidade da empresa: o déficit de organização. A compreensão de que a imputação se dá por uma falha dentro dos padrões de decisão e de governança da sociedade empresária parece ser ponto congruente entre os penalistas; o que se diverge, no entanto, seria na incidência deste fator dentro da teoria do delito e suas repercussões na análise da conduta a ser responsabilizada.
3. O déficit de organização como elemento da teoria do delito
Nas diversas construções de modelos de autorresponsabilidade penal, a categoria do defeito ou déficit de organização “defende que a pessoa jurídica responde penalmente por ato próprio, em razão das falhas que sua estrutura organizacional conteve para possibilitar a prática daquele delito, independentemente de uma conduta de pessoa física” (BUENO, 2023, p. 21). Assim, a empresa seria penalmente imputável ao não se organizar de uma forma adequada às normas de Direito, restando falho o cumprimento de deveres jurídicos necessários ao controle da pessoa jurídica como fonte de perigo (ESTELLITA, 2017).
É dentro deste contexto, inclusive, que ganha relevante destaque a figura do compliance e de seu agente central, o compliance officer. O compliance nasce como uma forma de autorregulação das empresas (SÁNCHEZ, 2018, p. 92), que assume diversas funções dentro dos organismos empresariais, como a prevenção de delitos e a formação de uma cultura de cumprimento das normas. Para muito além de uma mera formalidade, o compliance, quando bem estruturado, visa incorporar nas sociedades a integridade e a governança estruturais.
A imposição de programas de compliance possui, por óbvio, relevante interferência no âmbito do Direito Penal, em especial pela necessidade de respeito às normas e por suas imposições legais de controle e vigilância. Não se trata apenas de cumprir formalidades, mas sim de instaurar o entendimento de que a empresa não tolera e responsabilizará quaisquer condutas que estejam fora dos padrões éticos e legais, bem como que está vigilante quanto ao seu cumprimento:
Em sua projeção para o Direito Penal (o criminal compliance), os programas de integridade visam observar as regras e as proibições do Direito Penal. A implantação de um programa de integridade criminal atende a duas finalidades básicas. Por um lado, o programa pretende evitar a prática de crimes no desenvolvimento das atividades empresariais, por meio do controle dos riscos que lhe são inerentes, de modo a satisfazer sua função preventiva. Por outro, o programa deve oferecer resposta adequada aos problemas que foram identificados por seus mecanismos de controle nas atividades empresariais. Neste sentido, é necessário instituir procedimentos para corrigir os problemas encontrados e comunicar às autoridades competentes a notícia da ocorrência de eventuais crimes. Por meio de tais providências, o programa de integridade criminal atende à sua função de confirmação do Direito (GALVÃO, 2020, p. 110).
Assim, percebe-se que, na prática e na doutrina, são depositadas altas expectativas na adoção do compliance dentro das empresas, tanto para a prevenção de delitos como instrumento de prova a fim de evitar a imputação penal da pessoa jurídica. O que se busca, na maior parte das vezes, é demonstrar a ausência de um déficit de organização quando há a estrutura ordenada de um sistema de integridade dentro das empresas – ainda que falhos, uma vez que, se cometido o delito dentro da pj, os controles e barreiras impostos não foram suficientes para evitá-lo.
O defeito de organização, assim visto, se dá em especial quando não há a implementação de ferramentas de controle e acompanhamento dentro das empresas, fazendo com que a própria estrutura organizacional favoreça a realização do delito ou dificulte sua percepção. “Não é por outra razão, um dos elementos contemporâneos dos programas de compliance é o estabelecimento de canais de comunicação (ou de denúncia), que visa a compensar parcialmente os limites naturais do fluxo de informações dentro das empresas (ESTELLITA, 2017, p. 51).
A comunicação e o estudo das formas de controle empresariais são, assim, elementos fundamentais à compreensão da dogmática que trabalha a responsabilidade penal das pessoas jurídicas. Afirma GÓMEZ-JARA DÍEZ (2006, p. 27) que a organização, assim como todo sistema social, é composta de comunicações – mais precisamente um tipo de comunicação específica, sendo elas as comunicações por decisões.
A relevância do implemento da concreta organização da empresa para a possibilidade de comunicações – internas e externas – efetivas, bem como para a adoção de modelos de controle e de vigilância, é inconteste, bem como sua necessidade de análise para a definição da imputabilidade penal da conduta lesiva praticada. A diferença entre as teorias, no entanto, se dá no encaixe desta análise dentro das diferentes categorias do delito, sendo que seria esta uma análise da tipicidade ou da culpabilidade. Para tal, faz-se necessário repassar brevemente os principais conceitos que permeiam ambos os institutos.
A tipicidade é o segundo elemento de análise dentro da teoria do delito, estando após a verificação da existência de uma conduta consciente e penalmente relevante. A análise feita nesta esfera se relaciona com a previsão do tipo penal incriminador, ou seja, com os elementos previstos na norma proibitiva da ação/omissão. Conforme leciona Fernando Galvão:
Sendo o tipo penal um modelo abstrato de comportamento humano proibido, a tipicidade é a qualidade conferida à conduta que encontra precisa descrição no modelo abstrato. Segundo o modelo interpretativo da realidade, proposto pela teoria do crime em seu conceito analítico, a tipicidade é a primeira característica a ser reconhecida na conduta punível. Para que uma conduta humana seja típica, é necessário que, além de ajustar-se de maneira formal a um tipo legal de crime, represente, de forma material, lesão relevante ao bem juridicamente protegido, o que caracteriza a conduta como socialmente reprovável (GALVÃO, 2017, p. 263-264).
A tipicidade é, portanto, elemento essencial para a configuração da conduta punível, sendo que, restando comprovada situação de erro invencível, da ausência de lesão a bem jurídico ou de intenção (elemento subjetivo), sequer será completa a análise do conceito analítico de crime, sendo o fato atípico. A tipicidade é, no entanto, conceito complexo, que abarca elementos de ordem objetiva e de ordem subjetiva.
Enquanto a tipicidade objetiva se preocupa em definir dois momentos essenciais, o da causação e o da imputação do resultado a partir do risco criado pela conduta, o tipo subjetivo se apresenta, em sua maioria, como intenções ou tendências de atitudes pessoais necessários à caracterização do delito (SANTOS, 2020, p. 139, 151). São análise que, apesar de estarem dentro da tipicidade, diferem quanto à sua aferição e quanto a sua relação com o agente e com o fato; o objetivo está na análise dos elementos concretos que levam ao resultado e o subjetivo, a intenção por trás da ação.
Já a culpabilidade, dentro do conceito analítico de delito, é o instituto voltado à definição do agente que realiza a conduta, já previamente injusta. Parte, assim, para a compreensão se a pessoa é culpável e pode ser imputada pelo resultado oriundo do risco não permitido. É na culpabilidade que recai o juízo de reprovação pessoal, pressupondo “que o sujeito poderia ter atuado de outra maneira quando praticou o comportamento típico e ilícito” (GALVÃO, 2017, p. 471).
São analisados, na culpabilidade, a (im)possibilidade de conduta diversa da lesiva ao bem jurídico, a (in)imputabilidade do agente no momento do fato e a potencial consciência da ilicitude da conduta realizada. Essa definição está dentro do que é reconhecido como conceito normativo de culpabilidade (SANTOS, 2020, p. 292), sendo um juízo de reprovação sobre o sujeito que tem, por objeto, a realização de um injusto.
Conforme pode-se apurar, os conceitos que envolvem a tipicidade e a culpabilidade clássicas possuem pouca ou nula aderência com a responsabilidade penal da pessoa jurídica. Faz-se complexa a análise de intenção da empresa de forma inequívoca, vez que ela é composta por diversas motivações diferentes. Da mesma forma, a imputabilidade de uma sociedade não é um conceito de fácil compreensão, já que determinações como doença mental ou embriaguez não são passíveis de concretização.
Assim, os autores buscam delimitar os conceitos da teoria do delito de forma a, dentro da autorresponsabilidade e do reconhecimento de ações autônomas pelas empresas, adequar os conceitos analíticos do delito à realidade empresarial. Após os mais diversos casos concretos, e com tamanha relevância que os sistemas de comunicação, de integridade e de governança (compliance) possuem, o critério do déficit de organização tem sido preponderante na configuração da teoria do delito, mas cada autor a compreende dentro de uma esfera diferente.
Existe, em verdade, diversos debates interessantes que podem ser trazidos e que permeiam os elementos do conceito analítico do delito aqui descritos – inclusive diretamente relacionados ao compliance. Analisa-se, por exemplo, se a adoção de um robusto sistema de compliance teria a capacidade de excluir a tipicidade do fato, ou até mesmo a culpabilidade da empresa. Há quem entenda, no entanto, que “não existe previsão e menos ainda regulamentação sobre como deve se operar o livramento/minoração da sanção para a pessoa jurídica” (SILVEIRA, 2020, p. 160). Pontuam-se estes fatos para expor que inexiste a presunção de esgotamento da matéria aqui exposta; em verdade, em razão da complexidade do tema e das extensas divergências doutrinárias, cabe todo uma nova pesquisa para analisar os diversos âmbitos ainda controversos que permeiam os modelos a serem adotados de responsabilidade penal da pessoa jurídica.
3.1. O déficit de organização como elemento da tipicidade objetiva
A tipicidade, conforme detalhado, traz elementos objetivos e subjetivos. Para o primeiro destes, “devem-se entender todos os dados que, constando na descrição típica, não se referem ao psiquismo do sujeito e, por isso, podem ser identificados sem necessidade de alusões à intenção do sujeito ativo do crime” (GALVÃO, 2017, p. 276). São elementos objetivos do tipo, assim, àqueles que se colocam como descritivos da ação a ser realizada, ou de seu resultado, bem como os normativos em sua especial carga de valoração jurídica.
Na Itália, há, no entanto, uma modificação da análise destes elementos quando colocados à responsabilização penal de pj. O Decreto Legislativo n. 231, de 8 de junho de 2001, prevê a imposição de sanções penais às empresas, bem como determina diversos elementos processuais e garantias a serem adotadas em proteção aos acusados. Explica, assim, Fábio Guaragni ao trabalhar o DL 231 italiano:
Frisa-se este ponto para diferenciar as consequências previstas na normativa italiana das sanções administrativas tradicionais (inclusive no Brasil), impostas ex officio por autoridade administrativa, mediante auto-executoriedade, apoiada no poder de polícia estatal. Ademais, são guarnecidas das garantias do processo penal, mais extensas em comparação com aquelas previstas no âmbito do processo administrativo sancionador. O ente coletivo é equiparado, como imputado, à pessoa física (art. 35, Decreto Legislativo 201), de modo a dar-se sua efetiva participação e defesa no desenrolar do processo, na forma determinada pela lei delegante (GUARAGNI, 2013, p. 9).
A legislação, uma das pioneiras ao regular a responsabilidade penal da pj, prevê, no entanto, uma peculiaridade: está isenta de responsabilidade penal a pessoa jurídica que comprovar a implementação de um modelo de organização, de gestão e de controle antes do cometimento do fato delituoso. Assim, caso a empresa tenha instaurado um programa de integridade e conformidade (em outras palavras, um sistema de compliance) antes do início das investigações criminais, pode ser isenta de responsabilidade. Em tradução livre, assim dispõe o artigo 6º do referido DL:
1. Se o crime tiver sido cometido pelas pessoas indicadas no artigo 5.º, n.º 1, alínea a), a entidade não responde se provar que:
a) o órgão de administração tenha adotado e efetivamente implementado, antes da prática do crime, modelos de organização e gestão adequados à prevenção de crimes deste tipo ocorreu;
b) a tarefa de supervisionar o funcionamento e observância dos modelos e cuidar deles atualização foi confiada a um órgão da organização com poderes autónomos de iniciativa e controlar;
c) as pessoas cometeram o crime esquivando-se fraudulentamente aos modelos de organização e gestão gerenciamento;
d) não tenha havido omissão ou fiscalização insuficiente por parte do órgão referido na alínea b) (ITÁLIA, 2001).
Há, assim, a expressa previsão de que um Modelo Organizacional, adequado à prevenção do crime, é elemento capaz de objetivamente impedir a responsabilização penal pelo delito. Vale, ainda, ressaltar os critérios dispostos neste mesmo artigo, sendo eles: a) a delegação de poderes de vigilância a um órgão verdadeiramente autônomo; b) o fato de que o delito foi cometido se esquivando dos modelos de controle e não por falha deste; c) não havendo omissão ou insuficiente fiscalização por parte do órgão responsável. Aqui, como se vê, isenta-se a empresa de responsabilidade dos casos em que, apesar de um coeso e bem construído sistema de compliance, algum dirigente e/ou funcionário consegue, de forma fraudulenta, escapar dos mecanismos de controle e agir ilicitamente em nome da pj.
Há, como se vê pelo exposto no artigo, um afastamento das doutrinas de autorresponsabilidade ao compreender que a falha de organização é elemento de exclusão da responsabilidade penal. Ao reconhecer que a empresa não responde pelos atos praticados pelos seus dirigentes quando escapam do Modelo Organizacional imposto, acabam por reconhecer a dependência da responsabilidade da pj à conduta individual de seu funcionário. Assim também explica Fábio Guaragni:
i) que a compreensão da vantagem como critério autônomo em relação ao interesse reforça-se, sobretudo, quando se percebe seu compasso e sintonia com a imputação de responsabilidade ao ente de modo direto, tendo como base a teoria da identificação (citada inclusive na exposição de motivos do decreto) integrada por imputação que evidencie déficit de organização – em que ente não cumpre função de garante;
j) que a vantagem, enquanto critério autônomo, não resulta em imputação derivada de uma “consequência (somente) eventual do ilícito”38, pois não está isolada dos demais pressupostos de imputação, atinentes aos sujeitos (em posição de vértice ou subordinados sob direção ou vigilância), ao catálogo de crimes antecedentes e ao déficit organizacional (art. 6º). (GUARAGNI, 2013, p. 17).
Este modelo, no entanto, não encontra qualquer respaldo na legislação brasileira. Aqui, não há nenhum elemento legalmente definido que exclua a responsabilidade pela adoção de Modelos Organizacionais de controle e de gestão da empresa. Há, em contrapartida, a previsão de que os mecanismos de integridade e autoria sejam critérios a serem considerados no momento de aplicação de pena, conforme se vê no art. 7º, inciso VIII, da Lei n. 12.846/13:
Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções:
...
VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; (BRASIL, 2013).
Ainda assim, pontua-se a existência de modelos diversos de responsabilização da pessoa jurídica, em que, em cada um deles, o déficit de organização se mostrará como elemento basilar de elementos diferentes da teoria analítica do delito. Aqui, mostra-se a previsão italiana de não responsabilização quando houver Modelos Organizacionais aplicados.
3.2. O déficit de organização como elemento da tipicidade subjetiva
Diferentemente da tipicidade objetiva, a parte subjetiva do tipo penal trabalha com os conceitos de intenção do sujeito ativo do crime; parte-se de um viés em que se busca compreender a motivação da pessoa para que, a partir dela, possa ser compreendida e aplicada a responsabilidade criminal. Nas palavras de Fernando Galvão, “os elementos subjetivos do tipo são aqueles componentes do modelo comportamental proibido que dizem respeito aos estados e processos anímicos do sujeito, à intenção que move o comportamento humano descrito no tipo penal incriminador (2017, p. 279).
Dentro dos elementos subjetivos clássicos da tipicidade penal estão o dolo e a culpa, sendo dois conceitos essenciais à subsunção do fato à norma penal incriminadora. Tem-se por dolo, em vias gerais, a conduta realizada com o fim de produzir o resultado previsto ou aceitando o risco de tal realização; já na culpa, adotam-se medidas de negligência, imperícia e imprudência que ocasionam o resultado lesivo, tratando-se de ações que não possuem a intenção direta de produção do resultado. O Código Penal assim estabelece em seu art. 18:
Art. 18 - Diz-se o crime:
I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;
II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia (BRASIL, 1940).
Conforme ainda disposto no parágrafo único do artigo 18 do CP, a punição a título de culpa deve ser expressa; em sua ausência, apenas poderá o fato ser responsabilizado em sua modalidade dolosa. Isto se dá em reconhecimento de que “o conceito de dolo é utilizado para identificar a manifestação subjetiva considerada mais grave e, consequentemente, aos crimes dolosos são cominadas penas mais severas que aos crimes que ofendem o mesmo bem jurídico de maneira culposa” (GALVÃO, 2017, p. 280).
Não se desconhece que existem correntes dentro do Direito Penal que propõem o distanciamento de análise de elementos psíquicos no dolo – afinal, partir do pressuposto que as formalidades de um processo penal são instrumentos capazes de identificação da intenção do agente do crime é uma presunção de grandes proporções. Luís Greco, em seu trabalho, defende o afastamento do dolo como elemento da vontade e a adoção de critérios normativos para a concepção da conduta dolosa. Assim expõe:
Psicologicamente, dolo é conhecimento, e não conhecimento e vontade. Se todo dolo é conhecimento, e a vontade não tem relevância alguma, não há mais qualquer razão para diferenciar dolo direto (em suas duas formas, de primeiro ou de segundo grau) e dolo eventual [...]. Por enquanto, deve apenas ficar assente o princípio geral que deverá orientar-nos nessa tarefa: para que se possa falar em dolo, tem o autor de agir com conhecimento tal que lhe confira o domínio sobre aquilo que está realizando [...]. Dolo é conhecimento de que a ocorrência do resultado é algo provável (GRECO, 2009, p. 902).
Ainda assim, precioso reconhecer que estas teorias ainda possuem pouca expressão e uma aderência minoritária na dogmática penal. A teoria, pouco debatida, ainda não ocupa o espaço da tradicional compreensão do dolo como vontade do agente. Frisa-se, ainda, que o elemento da culpa, ainda que subjetivo, já parte de uma análise muito mais voltada ao risco assumido do que à intenção do sujeito; não se analisa, para o crime culposo, se o agente teve a intenção de agir de forma negligente, imperita ou imprudente, mas sim se sua conduta está caracterizada dento de umas destas configurações.
Quando analisados pelo viés da responsabilidade penal da pj, os elementos subjetivos se tornam controversos, em especial o dolo. Considerando um ambiente empresarial, com as decisões formadas por diversas opiniões e por diversos agentes, em regra em um colegiado que pode ou não ser majoritário, como compreender e conceber uma ideia de vontade ou de intenção da empresa? A questão é uma das mais complexas a serem resolvidas pela parcela da dogmática que entende possível que a pessoa jurídica seja sujeito ativo autônomo (ou seja, independente da ação humana) de delitos.
É partindo deste problema dogmático que autores sugerem a análise do defeito de organização como elemento da tipicidade subjetiva das empresas. Não seria, portanto, uma busca pela intenção ou pela vontade da pj, mas sim pela imposição de elementos concretos e capazes de identificar os riscos, adverti-los e realizadas as efetivas medidas de controle para tal. Defende Osvaldo ArtazaVarela que “[...] toda la responsabilidad “subjetiva” de las personas jurídicas a lo más podría construirse a partir de la atribución de déficit de conocimientos que, como se podrá apreciar, están asociados a las expectativas relativas a la gestión de sus riesgos penales” (2022, p. 412).
Estas teorias partes do pressuposto de que o conhecimento que motiva a ação delituosa parte de um conhecimento organizacional, sendo este um conjunto de informações que são apreendidas e incorporadas na gestão de seus respectivos processos (ARTAZA VARELA, 2022, p. 412). A partir deste, parte-se do pressuposto de que podem existir déficits cognitivos das organizações empresariais, que deveriam ser mitigados pela estruturação de mecanismos de controle eficientes.
Alguns dos possíveis déficits cognitivos da imputação subjetiva das pessoas jurídicas podem estar baseados no fato de que, apesar do resultado previsível partindo da inadequação de determinados processos organizacionais, a pessoa jurídica não teve seu perigo advertido (ARTAZA VARELA, 2022, p. 413). Ainda, outro déficit estaria relacionado ao nível de conhecimento esperado a respeito da adoção de controles e sua adequada supervisão (ARTAZA VARELA, 2022, p. 414), como a inexistência de qualquer modelo de controle ou a adoção da modalidade equivocada ou insuficiente de controles a serem realizados.
Na adoção deste critério também se mostra a relevância dos programas de compliance, que nada mais são do que sistemas de controle e autorregulação empresarial. A definição do elemento subjetivo pela relação ao déficit organizacional perpassa, naturalmente, as falhas de um modelo adotado pela pj de controles e de integridade, que visam a independência das análises e a mitigação de riscos pelo mapeamento e governança das estruturas empresariais:
En este sentido, no se puede negar que de los propios fundamentos de la autorregulación se desprende también la exigencia de un nivel de conocimiento “en concreto”, esto es, la capacidad de concreción de tal conocimiento abstracto para la propia realidad de la persona jurídica de la que se trate. En términos sencillos, no solo se espera que la persona jurídica conozca qué tipos de procesos son riesgosos y cómo deben ser controlados desde un punto de vista teórico, sino que adquieran la capacidad de detectar tales procesos en el desarrollo de su propio negocios, identificar particularidades de estos e implementar de la forma más eficiente posible los potenciales controles en su propio sistema de control (ARTAZA VARELA, 2022, p. 416).
A questão, no entanto, resta longe de estar solucionada, sendo a opção pela análise do déficit de conhecimento como elemento subjetivo vista como amplamente minoritária pela doutrina penal. A realidade posta se dá, em verdade, no reconhecimento de que a vontade da pessoa jurídica não pode ser concebida nos mesmos moldes da pessoa física, mas também não pode ser vista apenas como uma “mera somatória, compreendida simplesmente como vontades em direção favorável ou contrária ao ato injusto” (BUSATO, 2001, p. 176). Resta necessário o estudo mais aprofundado sobre a temática ainda tão espinhosa ao Direito Penal.
3.3. O déficit de organização como elemento da culpabilidade
Conforme o exposto, ainda que abarcadas as teorias em que o defeito de organização se aperfeiçoaria na exclusão da tipicidade, seja ela objetiva ou subjetiva, faz-se necessária a menção às correntes que entendem que este fator deva ser analisado no âmbito da culpabilidade. A quarta categoria de análise da teoria do delito traz um juízo de reprovação do sujeito que realizou a conduta já avaliada como injusta (típica e antijurídica), perpassando por majoritariamente três grandes núcleos: a imputabilidade, a capacidade de conhecimento do ilícito e a possibilidade do agir de outra forma. Necessário pontuar que não se desconhecem as correntes que afirmam a incapacidade da empresa em ter uma capacidade de ação própria e que, por esta razão, sequer se analisaria sua culpabilidade, mas, por força argumentativa e de análise deste conceito, se adotam as correntes que entendem pela autorresponsabilidade das pessoas jurídicas para análise de um agente culpável.
Partindo dos pressupostos acima delimitados, portanto, faz-se necessária breve consideração sobre os três elementos da culpabilidade: a imputabilidade, a consciência da ilicitude e a possibilidade do agir de outra forma. Este último, necessário frisar, é de fácil aferição, vez ser impossível não afirmar que seguir as normas e os regulamentos postos dentro de um ambiente empresarial é mais do que possível – é o mínimo a ser realizado pelo conjunto de diretores e funcionários que tratam da atividade empresarial.
Ainda que se reconheça que as empresas possam vir a sofrer de coações morais irresistíveis ou outras causas exculpantes, o que aqui se admite ser mais complexo[1], a visualização deste elemento da culpabilidade se faz na mesma equivalência das pessoas físicas. Ainda assim, no entanto, a dificuldade é aumentada quando da análise dos outros dois elementos da culpabilidade que tratam, em termos mais específicos, de conceitos que se relacionam às pessoas físicas: como analisar se a pessoa jurídica é imputável? Como compreender a potencial consciência da ilicitude da conduta?
A imputabilidade, em seu modelo clássico, avalia a capacidade do sujeito em compreender o caráter ilícito de sua conduta; não se trata, aqui, de analisar de houve voluntariedade na realização da ação, mas sim se aquele agente consegue compreender o proibido realizado. Ensina Fernando Galvão (2017, p. 508) que “a incapacidade que interessa ao exame da culpabilidade é somente a incapacidade de compreensão do caráter ilícito do fato. A imputabilidade não se confunde com responsabilidade penal [...]. A imputabilidade baseia-se na capacidade do sujeito de entender e querer praticar o crime”.
Já a potencial consciência da ilicitude, diferentemente da (in)imputabilidade, não faz a análise do estado psíquico do agente, mas sim de sua capacidade no momento da realização da conduta. Assim, pode uma pessoa imputável estar, no momento da ação, sem a capacidade de conhecimento da ilicitude, sendo que esta interrupção parcial de sua capacidade terá consequências no âmbito da análise da culpabilidade daquele que realiza a ação:
Superado o exame de seu primeiro elemento, o juízo de reprovação impõe apurar se, no momento da prática criminosa, em relação ao fato concreto, o sujeito poderia compreender a ilicitude dos seus atos. O potencial conhecimento da ilicitude do fato significa a capacidade do sujeito parra concretamente apreender a ilicitude de sua conduta. Trata-se do segundo momento do exame da culpabilidade e, da mesma forma que o primeiro, fundamenta a censura penal na possibilidade de exigir-se do indivíduo comportamento diverso do que manifestou. Não sendo possível ao sujeito perceber a ilicitude de sua conduta, não é possível censurar-lhe a finalidade manifestada na conduta socialmente inadequada (GALVÃO, 2017, p. 531).
Como se vê, portanto, a culpabilidade é elemento da teoria analítica do delito que mais se aproxima do agente, afastando-se, ainda que em partes, da análise da conduta em si e da sua subsunção com diversas normas do ordenamento. É com base nesta situação, e partindo da premissa de que as pessoas jurídicas possuem uma realidade diferente das pessoas físicas, que Tiedemann concebe um modelo misto, em que a categoria do defeito de organização passa a fundamenta a culpabilidade da PJ (BARRETO, 2023, p. 45).
A análise do conceito de defeito de organização parte do pressuposto de que “para que a pessoa jurídica bem possa compreender o significado jurídico das atividades que realiza, é necessária uma boa organização no trato das informações e na estruturação de uma equipe jurídica” (ROMERO, 2023, p. 212). Assim, a ausência desta organização, necessária e fundante às sociedades empresárias, deve ser analisada para que, com isso, seja compreendido seu conhecimento sobre o caráter ilícito do fato.
É neste contexto que, novamente, se mostra relevante a estruturação de um programa robusto e eficiente de compliance, capaz de compreender todo o cenário empresarial e, se identificada alguma falha de procedimento ou alguma desorganização de sua estrutura, consiga agir de forma eficiente a reverter o caminho e impedir – ou mesmo reduzir a chance – o acontecimento de injustos penais. Inexiste, no entanto, qualquer definição do que seria, precisamente, este defeito de organização e quais os mecanismos que incidiriam para aumentar, atenuar ou excluir a culpabilidade da pj.
Há aqui uma tentativa de delimitar a culpabilidade e os elementos que afetariam essa consciência de ilicitude de forma mais direta e personalizada às pessoas jurídicas, para que, se trabalhada da forma adequada, consiga fundamentar com segurança e coerência a análise de uma pessoa jurídica culpável. Paulo Roberto Romero, inclusive, pondera que “[...] embora insuficiente per se ao aperfeiçoamento da referida categoria penal, determina, no mínimo, a concreta aferição de um elemento importante no reconhecimento da possibilidade de sua exclusão, fundamental para que a culpabilidade possa efetivar a sua função de garantia” (ROMERO, 2023, p. 211). Cabe, assim, ressaltar a importância da definição de conceitos próprios a serem definidos e trabalhados em relação à PJ, para que, ao final, não estejam à mercê de entendimentos jurisprudenciais contraditórios.
O conceito, no entanto, não está livre de críticas e são apontadas diversas incongruências à doutrina penal. Desde a ausência de conceitos bem definidos e limites estabelecidos, como críticas fundantes da impossibilidade de responsabilização criminal da empresa, não é pacífica a adoção deste critério como elemento da culpabilidade de uma pessoa jurídica. Para exemplificar tais críticas, Heloísa Estellita discorre sobre seu posicionamento da seguinte forma:
“[...] Como o direito penal protege bens jurídicos mediante normas de proibição, que regulam exclusivamente o comportamento humano, dirigem-se tais normas penais ao comportamento evitável, não podendo as pessoas jurídicas delas serem destinatárias, razão pela qual pretender assentar a culpabilidade na (falta de) organização é simplesmente descrever um estado, mas não a infração a uma norma, e, como a falta de organização se remete a atos incorretos de sujeitos individuais, a proposta acaba incidindo em círculo vicioso” (ESTELLITA, 2017, p. 63).
Ainda assim, a formulação iniciada por Tiedemann, até mesmo pelo debate que possibilitou e as considerações inovadoras que trouxe, merece atenção e análise, ainda que para a pontuação de críticas ao seu modelo. A análise da culpabilidade, no entanto, segue obscura às pessoas jurídicas, ainda sem um conceito definitivo e amplamente discutido que adeque à realidade empresarial.
Considerações finais
Existe uma evidente pressão social à responsabilidade penal das pessoas jurídicas, em especial após os últimos casos em que empresas estiveram envolvidas em grandes situações de risco à sociedade, seja ele contra o meio ambiente ou de outras formas. A função simbólica do Direito Penal assume, assim, relevante papel na construção da dogmática penal, tomando contornos de expansão do caráter punitivo do Direito para concretizar uma “resposta social” de mitigação de condutas criminosas.
É neste contexto em que está inserida a criação das mais diversas teorias de autorresponsabilidade que buscam pela independência da correlação entre pessoas físicas e jurídicas. O esforço faz-se necessário para que, ainda que impossível a comprovação de nexo causal, de elemento subjetivo ou de outro elemento da teoria em desfavor da pessoa natural, ainda exista a pj para se responsabilizar.
O conteúdo é, no entanto, muito complexo. Delimitar novos contornos à dogmática penal com o fim de abarcar não apenas a conduta de pessoas físicas, mas também de uma empresa com seus diversos agentes, formas de responsabilidade, controles e organização demanda a mudança de perspectiva não em busca de ampliar a responsabilidade por atos, mas sim de garantir a elas a devida proteção da limitação do poder punitivo do Estado – o fim máximo do Direito Penal.
O déficit de organização assume preponderância nas discussões por ser não apenas um conteúdo de fácil compreensão, mas pelo extenso debate e protagonismo que se há ao redor dos sistemas de compliance de cada sociedade empresária. Há, na verdade, a busca por elementos que possam indicar a responsabilização da pj pelos seus atos injustos (típicos e ilícitos) e que causam resultado lesivo, sendo essa falha de um sistema de controles e governanças parecer a forma mais segura e padronizada para tal.
Quando analisado o defeito de organização na tipicidade objetiva, vê-se que inexistem elementos sólidos na legislação brasileira para que seja pleiteado, até mesmo por nos faltar o principal elemento do ordenamento italiano: a previsão legal. Ainda se houvesse, é perceptível que os conceitos usados pela legislação são vagos, deixando a cargo de autoridades judiciárias a interpretação do que seria um equívoco fraudulento ou mesmo uma fiscalização insuficiente. Segue, desta forma, pendente do necessário detalhamento previsto pelo princípio da legalidade para que seja possível a ponderação deste conceito.
A ponderação em relação à tipicidade subjetiva está ainda mais distante de análise doutrinária e, por isso, se afasta ainda mais da concretude dos fatos. Partir do fato de que erros de conhecimento das condutas e dos procedimentos seriam elementos subjetivos da decisão de uma empresa é compreender que, por falha da própria regulação (já que os mecanismos de controle são uma forma de autorregulação), haveria a ausência de imputação: a empresa que desconhece das falhas dos seus mecanismos estaria resguardada pela ausência de dolo – o que se mostra impensável.
A culpabilidade, por fim, se mostra como a teoria com o maior número de debates e, diferentemente das duas primeiras análises da tipicidade, traz elementos mais sólidos que possam vir a ser debatidos. O conceito de déficit de organização traz mais elementos sobre a pj do que sobre o fato e, assim, a análise em culpabilidade pode vir a ser mais interessante, como um juízo de reprovação do agente em relação à conduta. Se mostra mais razoável, assim, que uma empresa com um robusto programa de compliance e que, por uma razão ou outra, teve por escapar uma conduta lesiva tenha sua culpabilidade analisada de forma diversa daquela sociedade que sequer buscou se adequar às normas vigentes e instaurar um sistema de integridade corporativa.
Ainda assim, no entanto, em todos os casos recaem os mesmos problemas dogmáticos e legais: não há qualquer previsão legal para nenhuma destas análises, sequer menção em texto a ser analisado pelos diversos órgãos do Poder Judiciário. Ainda, mesmo que se argumente pela possibilidade de aplicação ainda que sem previsão expressa em lei, sequer existem contornos bem definidos e conceitos delimitados dentro da própria dogmática penal aptos a ensejar a segurança e a previsibilidade da análise. Faz-se necessário, assim, que este tema siga sendo explorado e debatido e que, por cada vez mais, sejam determinados os conceitos necessários à melhor e mais coerente aplicação da responsabilidade penal quando os agentes ativos do crime são pessoas jurídicas.
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Beatriz Vasconcelos Coelho Melo é Mestranda em Direito pela UFMG. Especialista em Ciências Penais pela PUC Minas e bacharel em Direito pela UFMG. 1ª Vice-Presidente do Instituto de Ciências Penais no biênio 2022-2024.
NOTAS
[1] Diferentemente de uma pessoa física, em que aqui incidem as causas de exculpação em casos visíveis de coação moral irresistível (quando há, por exemplo, algum familiar próximo sendo ameaçado) ou mesmo do estado de necessidade exculpante (quando o sacrifício do bem jurídico de menor valor não lhe é exigível pelas circunstâncias fáticas), a empresa parte de decisões e estratégias que envolvem não apenas uma pessoa, mas diversas. Aceitar a possibilidade de que haveria como existir uma coação moral irresistível é entender, de forma muito complexa e pouco trabalhada, que diversas pessoas dentro de diversos órgãos de direção, dentro de um contexto empresarial complexo, estariam igualmente coagias de forma irresistível a tomar uma decisão em nome da pessoa jurídica, bem como que seus funcionários estariam também coagidos a cumprir estas ordens.
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